quinta-feira, março 08, 2007

Chiquinha é que era mulher de verdade

"Toda mulher é meio Leila Diniz"

Rita Lee


Hoje é o Dia Internacional da Mulher e eu, no afã de prestar minha humilde homenagem, propus-me a discorrer sobre algumas mulheres que se destacaram nas artes brasileiras, pela bravura e coragem com que se impuseram no dominante mundo masculino. Tarefa, esta, que se mostrou impossível, frente ao incomensurável número de candidatas.

Afinal, como eu poderia levar à frente tal proposta sem falar de cantoras como Eliseth Cardoso, Clara Nunes, Clementina de Jesus, Ângela Maria, Dalva de Oliveira, Elis Regina e tantas outras? Seria possível deixar de fora da lista a pintora Tarsila do Amaral, autora do belo Abaporu, ou escritoras como Pagu – também de inspiração antropófaga – e Clarice Lispector? E como não mencionar Leila Diniz, atriz que protagonizou a primeira gravidez de biquíni que se tem notícia por aqui, autora de frases como "trepo de manhã, de tarde e de noite"?




Impossível tarefa a minha, como podem perceber. Resignado, acabei por eleger uma única mulher, que aqui representará simbolicamente o baluarte da presença feminina nas artes brasileiras e sua incansável luta por espaço e reconhecimento. Estou falando de Chiquinha Gonzaga.






Tida atualmente como uma das maiores compositoras e instrumentistas da música brasileira de todos os tempos, Chiquinha Gonzaga (1847-1935) possui uma obra que conta com mais de 2000 composições – sendo a marcha carnavalesca Ó Abre Alas a mais conhecida delas. Esta pianista carioca passou a vida enfrentando preconceitos – em site dedicado a ela, Maurício Oliveira revela que Chiquinha foi renegada pelos pais, desfez casamentos, ficou longe dos filhos e foi alvo de toda espécie de sátiras e piadas.

Isto porque Chiquinha, do alto de seus arroubos de um feminismo totalmente justificável, peitava a sociedade conservadora da capital federal da segunda metade do século XVIII. Numa época em que o violão era associado à marginalidade, como já mencionei aqui, Chiquinha utilizava esse mesmo instrumento sem pudores, como que estendendo a língua para os guardiões do conservadorismo. E acabou trazendo para seu lado Nair de Teffé, esposa do então presidente marechal Hermes da Fonseca, em episódio que merece ser narrado.

Em 1914, durante o evento de despedida do governo do marechal, realizado no Palácio do Catete (sede do governo federal), a “moderninha” primeira-dama saca um violão e dedilha, sem pudores, o tango popular O Corta-Jaca - autoria de Chiquinha - na presença da alta sociedade do Rio, além de boa parte do corpo diplomático. Reparem como este feito agradou o senador e “encilheiro” Rui Barbosa, segundo suas próprias palavras no Senado:


“Uma das folhas de ontem estampou em fac-símile o programa da recepção presidencial em que, diante do corpo diplomático, da mais fina sociedade do Rio de Janeiro, aqueles que deviam dar ao país o exemplo das boas maneiras mais distintas e dos costumes mais reservados elevaram o corta-jaca à altura de uma instituição social. Mas o corta-jaca de que eu ouvira falar há muito tempo, que vem a ser ele, Sr. Presidente? A mais baixa, a mais chula, a mais grosseira de todas as danças selvagens, a irmã gêmea do batuque, do cateretê e do samba. Mas nas recepções presidenciais o corta-jaca é executado com todas as honras de Wagner, e não se quer que a consciência desse país se revolte, que as nossas faces se enrubesçam e que a mocidade se ria!”


Influência de nossa Chiquinha, seu Rui! Esta musicista brasileira, a primeira de destaque nacional e internacional, foi, de fato, uma guerreira, como atestam a sua participação em comícios contra a escravatura e seu engajamento na causa republicana – que podem ser lidos, em detalhes, aqui.






E, finalmente, encerro essa ode com uma bela frase da pianista: numa época em que o conservadorismo da sociedade carioca não admitia acintes como separações e divórcios, ao ouvir do (primeiro) marido a exigência de que escolhesse entre ele e a música, Chiquinha manda-lhe na lata a seguinte pérola:


“Pois, senhor meu marido, eu não entendo a vida sem harmonia”.









É isso. Parabéns, principalmente às guerreiras.



14 comentários:

Juju disse...

Linda homenagem, amigo. Ainda mais pegando um grande exemplo de mulher!!!!! Isso sim é uma mulher de verdade...beijossssssss

4rthur disse...

é isso, lindona. Com o perdão da linguagem chula, Amélia de cu é rola!

Tchello Melo disse...

E a escolha do número 8 me remete ao formato da grávida, privilégio de quem tem o poder de gerar - e gerir - vidas... louváveis mulheres!

gigi disse...

Preto, também adorei tudo. Só não repito porque você fica muito tenso com o jogo. Quarta-feira nunca mais. Eu gosto é de falar!

E mulher valente é minha mãe.

beijocas.

p.s.: estou caindo de sono e de ressaca de cigarro.

gigi disse...

Blog do PR: http://peixefora.blig.ig.com.br

Cascarravias disse...

Como diria eu mesmo há treze anos atrás, em um panfleto pregado pelas paredes da cidade na madrugada de 7 pra 8 de narço: "hoje não é dia de dar parabéns, e sim de pedir desculpas". Pq? Por causa dos eventos que levaram à criação desta data; por causa da perpetuação da dominação patriarcal; e além do mais, pq eu tenho que ser do contra.

Cascarravias disse...

escrevi meia dúzia de linhas sobre essa 'razão histórica'. passa lá pra dar uma olhada.

4rthur disse...

já li e, apesar de trágico, acho que a razão histórica do 8 de março deve ser conhecida por todos. está aqui:

http://elcascarravias.blogspot.com

Cascarravias disse...

valeu a divulgação, gente fina!

Desavexando disse...

:*

Anônimo disse...

oi moço! concordo com vc tbem... existem mulheres primorosas na história do Brasil... infelizmente so na história.
meu texto foi mais uma crítica a falta de referências na atualidade...
estamos aceitando qualquer coisa em nome do liberalismo (ou seria libertinagem) feminino. valeu pelo comentário, vou virar assídua no seu canto...

Madame S. disse...

hehehe
pra vc ver como as mulheres tiveram e ainda têm mtas barreiras a enfrentar

salve Chiquinha Gonzaga!

blah disse...

Adorei o texto, Arthur!

E Viva as mulheres!!!

Está para chegar o dia em que inverteremos tudo, e seremos uma sociedade verdadeiramente matriarcal, como a Mãe Natureza queria que fôssemos!!!

Beijos a todas!!!

Mas vale aqui, só pra ser do contra, uma frase machista:
"Difícil não é escolher uma mulher, e sim desistir de todas as outras!!"
frase do personagem Paulo, interpretado por Paulo José, no filme "Todas as Mulheres do Mundo"

Anônimo disse...

mas no final, a Chiqueinha pegou o Chaves ou não?