terça-feira, março 06, 2007

1974

Em 1974, o bicho estava pegando no Brasil. Em meio à crise mundial do petróleo e o fim do chamado milagre econômico brasileiro, o penúltimo general do nosso período ditatorial, Ernesto Geisel, assumia a presidência anunciando o prenúncio de um lento processo de transição rumo à democracia.

Tal anúncio não impediu que o jornalista Vladimir Herzog, diretor da TV Cultura e professor de comunicação da USP, fosse assassinado nas dependências do DOI-Codi em São Paulo no ano seguinte. Segundo Carlos Guilherme Mota, no livro Ideologia da Cultura Brasileira (2002, p. 291), esse fato gerou “uma discussão significativa sobre o papel do intelectual – e suas formas de organização – em face da atividade cultural e política”.

É no calor destes acontecimentos de 1975 que Florestan Fernandes publica A Revolução Burguesa no Brasil, livro no qual procurou avaliar historicamente o modelo autocrático-burguês em vigência; além disso, duas importantes obras sobre a História do Brasil tiveram, oportunamente no mesmo ano, uma segunda edição: Os Donos do Poder, de Raymundo Faoro, e Coronelismo, Enxada e Voto, de Victor Nunes Leal.

Mas se 1975 foi tão importante para a literatura histórico-social brasileira, creio que o ano de 1974 representou um marco para a música popular do país. Isso pode ser facilmente atestado com base no lançamento das obras de quatro dos nossos cantores e compositores de primeira grandeza: Chico Buarque, Jorge Ben, Gilberto Gil e Tim Maia.


Nos idos de 1974, Chico Buarque enfrentava sérios problemas com os censores do regime militar que, depois de terem sido feito de idiotas pela malandragem dos versos do compositor, passaram a proibir qualquer música que levasse a sua assinatura. O sagaz Chico saiu-se com essa: além de lançar o disco Sinal Fechado, de título auto-explicativo e contendo apenas canções de outras pessoas, criou um pseudônimo para si próprio – Julinho da Adelaide, que assinou três músicas, dentre elas “Acorda Amor”, gravada neste disco (Chame o ladrão, chame o ladrão!). A irreverência foi tanta que Julinho chegou a dar uma entrevista ao escritor Mário Prata, para o jornal Última Hora, que você lê aqui.



Jorge Ben, por sua vez, apareceu em 74 com o mágico A Tábua de Esmeralda, disco inspirado na obra do alquimista Hermes Trimegistos – como se vê nas músicas “Os Alquimistas Estão Chegando”, “Errare Humanun Est” e “Hermes Trimegistos e Sua Celeste Tábua de Esmeralda”. No blog Bolachas Grátis há uma bela resenha sobre o disco; aqui, além de “Brother” e “Zumbi”, belos odes à cultura afro-americana do norte e do sul, destaco a canção “O Homem da Gravata Florida”, que narra os fantásticos poderes de uma gravata que “é um jardim suspenso dependurado no pescoço de um homem simpático e feliz” (a letra, na íntegra, você confere aqui).



Sobre Gilberto Gil ao vivo, também de 1974, basta dizer que é, sem dúvida, seu disco mais lisérgico. Não cabe acrescentar qualquer comentário aos sagazes apontamentos do camarada Diogo Lyra, postados no seu Fundo de Quintal Literário, que você lê aqui.




E, finalmente, enquanto Chico militava na política, Jorge se inspirava na alquimia e o nosso atual Ministro da Cultura viajava na psicodelia, Tim Maia mergulhava fundo na Cultura Racional. Contam os passarinhos verdes que, após gravar dois discos inteiros em 1974, Tim se converteu à seita de Manuel Jacinto Coelho (uma espécie de Edir Macedo da ufologia, segundo dizem) e reescreveu todas as letras, lançando nos anos seguintes os discos Tim Maia Racional, volumes 1 e 2. Quem conhece sabe que os versos são pura lavagem cerebral, beirando o risível, mas a qualidade sonora e o suingue de sua banda são incontestáveis. Sobre como Tim Maia pirou com o livro Universo em Desencanto, você lê aqui.


Pra manter-me nos quatro exemplos, nem vou falar do emocionante Elis & Tom, do mesmo ano, e muito menos de Caetano, porque o único disco dele que realmente gosto, Transa, é de 1972. Encerro esse texto com a convicção de que, em 1974, enquanto o país estava fudido em termos de política, a criatividade musical dos nossos menestréis andava de vento em popa.

22 comentários:

Cascarravias disse...

tava demorando pra voltar a falar de música étnica...

ó, em 74 o "Som Nosso de Cada Dia" lançou o Snegs, que tem uma capa bem sugestiva.

volta a falar sobre aquela galera que toca guitarra, baixo e bateria, 4x4, de preferência acelerado.

Cascarravias disse...

e Jorge Ben é só um X-9 de merda.

4rthur disse...

o X9 é o Simonal, ô prego!

Diogo Lyra disse...

Cara, é realmente impressionante a qualidade conjuntural dos álbuns de 74 citados em contraste com a biografia "azeda" (da qual excluo, por questão de justiça, a obra de Vítor Nunes Leal) dos intelectuais de 75...

De toda forma, isso só confirma a grande tradição intelectual brasileira que, como não poderia deixar de ser, apresenta-se mais fértil e socialmente sensível na música que na academia.

E como o momento vem brindado por indicações musicais e acadêmicas, sugiro a coletânea "DECANTANDO A REPÚBLICA", lançada pelo meu querido orientador José Eisenberg, do IUPERJ. O subtítulo já diz tudo: "inventário histórico e político da canção popular moderna brasileira". Passeando pelos três volumes da coleção, vocÊ encontrará textos magníficos de grandes intelectuais como Werneck Vianna; Luiz Eduardo Soares; Ricardo Benzaquem; José Murilo de Carvalho e por aí vai...

Ah, valeu a indicação não só do blog, mas, sobretudo, do próprio disco do Gil, o "Gil Louco" - como o chamamos em nossa intimidade sem muitas intimidades, é claro!

Cascarravias disse...

além do Simonal, Jorge ben tb sofre do mal de rigidez do dedo indicador;

acho que o sr. Lyra poderia dar maiores informações sobre o assunto.

a propósito, a Revolução Burguesa do nosso querido amigo da Floresta, apeszar de ser um saco pra ler, é monumental.

e prego é essa gentinha de elite que 'resgata a cultura popular' e que tu cultiva, seu arrombado!

4rthur disse...

Dig, concordo que alguns textos do Decantando a República são realmente magníficos, como o do Werneck Vianna e, principalmente, o da Maria Alice. Alguns outros, entretanto, demonstram ser bastante fraquinhos, como o texto sobre Chico Science. Mas coletânea é coletânea, né? A gente sempre tem que separar o joio do trigo...

4rthur disse...

Arrombado foi pesado, Casca! Acordou estourado hoje, foi?

Cascarravias disse...

mas tenho que concordar em um ponto: a convergência entre a produção intelectual/acadêmcia e a produção cultural musical, não só dessa época, mas em geral: ambos lamentam profundamente o fato de que os populares não correspondem às suas expectativas de comportamento popular, e pior, do gosto artístico e opção político ideológica que estes iluminados definem como 'popular'.

Iros todos a la puta mierda!!!

Cascarravias disse...

vc que está aí com este sorriso gozado vem tirar onda comigo? seu sacripantas... (ficou mais leve?)

4rthur disse...

tu é foda, hein, cara, sempre querendo passar os amigos pra trás...

Cascarravias disse...

passo nada atrás dos amigos não, que isso não se faz com parceiro, tá ligado?

Cascarravias disse...

e liga pros xiliques não, é que os red label não são fortes o bastante...

quero meu black label de volta!

4rthur disse...

porra, seu casca grossa, que que o doutor falou, cara?

gigi disse...

Arthur...
1. PH embargou a festa porque os vizinhos mandaram a polícia lá 21 vezes reclamando do som no aniversário do Dioguinho.
2. Está meio em cima pra Hombu e não tenho o telefone de lá. Queria até tentar, por desencargo. Estou querendo jogar os festejos ou pro dia 16, ou pro 17. Além disso, queria fazer algo que a galera não gastasse muito. Queria MESMO arrumar um esquema em que a galera só levasse a cervejinha.
3. Sempre fiz de dia, sempre foi feijoada com samba – ou churrasco com DJ – e meu saco já encheu. Queria fazer festão à noite pro pessoal ficar muito feliz. Sabe como é, né, eu fui criança pobre, tenho mania de grandeza.
4. Não dá pra fazer em lugar muito apertadinho porque nunca tive menos de 150 pessoas em um aniversário meu. Sou muito amada.
5. Se nada der certo, faço um esquema de dia mesmo. Mocotó, rabada, dobradinha, sei lá... comida pesada, sol na cara, samba... mais do mesmo. Sem minha festinha, não fico.

E volta pra mim você, cara pálida! Queria te mostrar tanta coisa, cara... descobri um compositor óootimo, pai de um amigo meu. Vou gravar um cdzinho pra tu. Tenho tanto pra te falar, mas por escrito não pq vc não vale uma tendinite, por mais que te ame.

Quando pisaremos em folhas secas?

Diogo Lyra disse...

Eu lembro dessa festa. E o pior é que ela não me sai da cabeça quase sempre que estou sem dinheiro. É que o som alto do qual o PH tanto se queixa nunca foi pago, nem por ele nem pelo Ivan...

gigi disse...

Ah, porra, tu é um zé ruela. Depois reclama minha presença. Perdi a confiança.

Dioguinho, não entendi nada, mas manda por e-mail pra não expor ninguém.

beijundas.

Diogo Lyra disse...

Desculpe minha sinceridade Gigi, mas minha intenção foi tão somente expor os dois vacilões. E o pior é que acredito ir pro Céu mesmo assim...

Tchello Melo disse...

É mister que nos recordemos do pujante "Atrás de Todo Porto tem uma Cidade", de Rita Lee & Tutti-Frutti, com a inquietante "Mamãe Natureza" e a agro-lisérgica "Ando Jururu", além do segundo disco, o canto do cisne dos meteóricos "Secos e Molhados", com "Flores Astrais" e outras pérolas. Outros anos emblemáticos, dignos de comentários e digressões, são 1972 ,("Clube da Esquina", "Transa" e "Expresso 2222") e 1975 ("Minas" e "Fruto Proibido").

4rthur disse...

Tchellonious Monk, eu já elucubrava que seus ditirambos seriam de uma pujança incomensurável.

Clara Mazini disse...

Por essas e outras que eu concordo totalmente com um tal sujeito que certa vez afirmou:

en la lucha de classes
todas las armas son buenas
piedras
noches
poemas

Cascarravias disse...

especialmente as pedras.
se tiver molotov, melhor ainda.

blah disse...

Essa época realmente foi demais... Não só no Brasil, mas no mundo!!! Todas os estilos musicais, tendências artístico-culturais-político-filosófico-ecológias-espirituais pululavam aos montes ao redor da esfera oval chamada Terra...

Recordar é viver