quinta-feira, abril 26, 2007

Tempos de Nóia

Vivemos tempos de nóia.

A chamada “escalada da violência” nas grandes cidades, explorada sem piedade pelos grandes veículos de comunicação de tendência duvidosa, produz um efeito de bola de neve que faz com que muitos “cidadãos de bem” tenham os batimentos cardíacos acelerados com o simples estouro de um estalinho na rua.


Penso que a sensação da violência – e não a violência per se – seja uma das principais responsáveis pelo sentimento de apreensão que acompanha muitos de nós. Ontem, por exemplo, vi um garoto, com aspecto de morador de rua, iniciar uma briga no Arco-íris, bar da Lapa, porque o garçom havia encostado nele ao pedir que saísse do estabelecimento. Alguns amigos que chegaram depois ouviram meu relato do ocorrido, que envolveu voadoras, mata-leões e garrafas quebradas – tudo verídico.


Aqueles que me ouviram não viveram a violência por mim descrita – mas tiveram a sensação da violência bem próxima. E muitos dos freqüentadores que estavam no local provavelmente contaram a mesma história para outras pessoas, que também experimentaram semelhante sensação. O mesmo ocorre quando alguém é assaltado: embora somente uma pessoa viva a violência de fato, diversas outras pessoas ouvirão o relato e dirão: “porra, o Rio está cada vez mais violento!”. O que pode não ser uma verdade de fato – o aumento dos índices de criminalidade – transmuta-se em uma sensação de aumento da violência, uma vez que a divulgação desse tipo de informação promove correlato tipo de sensação.


E agora, em tempos de internet, existe uma modalidade nova desse tipo de “terrorismo”: são e-mails que, com a intenção de prevenir os “cidadãos de bem” (pois que muitos são supostamente assinados pela polícia, alguns com o título de “utilidade pública”), produzem o efeito de aterrorizar as pessoas. É de deixar neurótico qualquer um que leve o negócio a sério. Vamos então a alguns exemplos, retirados dessa modalidade de e-mails a qual me refiro:



“Você e seus amigos estão num bar, batendo papo, tomando uma cervejinha e se divertindo. De repente, chega um individuo e pergunta de quem é o carro tal, com placa tal, estacionado na rua tal, solicitando que o proprietário dê um pulinho lá fora para manobrar o carro, que está dificultando a saída de outro carro. Você, bastante solícito, vai e, ao chegar até o seu carro, anunciam o assalto e levam seu carro e seus pertences. E ainda terá sorte se não levar um tiro...”


Essa, então, é clássica:


“Comunidades do Orkut e sites pessoais estão repletos de gente que afirma ter tido seu rim roubado depois de ser dopado na balada. A vítima geralmente sai para se divertir com os amigos e não presta atenção à sua bebida. O interessado no rim joga algo dentro do copo, leva a vítima sedada para casa, arranca seu rim e deixa o atacado dentro de uma banheira com gelo até a cintura. Quando acorda, o jovem, de ressaca, lê no espelho de seu banheiro: “Corra para o hospital. Roubamos seu rim e você pode morrer de hemorragia”. O rim acaba indo para grupos de contrabando de órgãos internacionais e a vítima passa o resto da vida fazendo hemodiálise”.


As mulheres, nesses casos, são as que mais se fodem, vejam só:


“Quando as mulheres vão a toaletes, banheiros, quartos de hotel, vestiários de mudar de roupa, academias, etc., quantas podem estar certas de que o espelho, aparentemente comum, pendurado na parede, é um espelho de verdade ou um espelho de duas direções? (daqueles em que você vê sua imagem refletida, mas alguém pode te ver do outro lado do vidro como os da Casa dos artistas e Big Brother). Tem havido muitos casos de pessoas instalando espelhos de duas direções em locais freqüentados por mulheres, para filmar, fotografar ou simplesmente ficar olhando”.


E as dicas para se safar de um estupro?


“1 - A primeira coisa que eles olham em uma vítima potencial é o penteado. É mais provável que eles ataquem uma mulher com rabo-de-cavalo, coque, trança ou qualquer outro penteado que seja possível puxar mais facilmente. É provável também que ataquem mulheres com cabelos longos. Mulheres com cabelos curtos não são alvos comuns.

2 - A segunda coisa que eles olham é a roupa. Eles vão olhar para mulheres em que a roupa seja fácil de tirar rapidamente. Eles também procuram mulheres falando no celular ou fazendo outras coisas enquanto anda, isto sinaliza que estão desatentas e desarmadas e podem ser facilmente apanhadas.

3 - A hora do dia em que eles mais atacam e estupram mulheres é no começo da manhã, entre as 5:00h e 8:30 horas.

4 - O lugar campeão para apanhar mulheres é o lugar onde ficam os estacionamentos de escritórios. Em segundo lugar, estão os banheiros públicos.

(...) 7 - Disseram que não pegam mulheres que carregam guarda-chuvas ou objetos que possam ser usados como arma a uma certa distância (chaves não os intimidam, porque para ser usadas como arma, a vítima tem que deixá-los chegar muito perto).

(...) 10 - Esteja sempre atenta ao que se passa à sua volta. Caso perceba algum comportamento estranho, não o ignore. Siga seus instintos. Você pode até descobrir que se enganou, ficar meio desnorteada no momento, mas pode ter certeza de que ficaria muito pior se o rapaz realmente atacasse”.


Tirando o caso do rim, típica lenda urbana (que, pelo que li, circula inclusive em países da Europa e nos EUA), não duvido que os outros casos possam ser verdadeiros. Só duvido que, entre o efeito de prevenção e a paranóia generalizada, esse tipo de e-mail produza algum aspecto positivo. Mas é melhor nos acostumarmos, pois vivemos tempos de nóia e a qualquer momento um lunático pode te estuprar, levar seu carro, te abrir pra tomar o seu rim ou simplesmente te espiar enquanto você troca de roupa na academia.


E quanto a você, mulher, é melhor que, para sua própria segurança, corte os cabelos bem curtinhos, ande de guarda-chuva constantemente, chegue atrasadas ao trabalho para não saírem às ruas antes das oito e meia, não vá de carro e nunca mije na rua.


Afinal, é como ensina a sabedoria popular:


“quem tem cu tem medo”.


Cuidado!!!

sexta-feira, abril 20, 2007

Dois filmes brasileiros no Odeon

Ontem à noite fui ao Odeon com minha bonita para assistir dois filmes brasileiros, sem sair de cima. Achei ambos os filmes tão bons, que resolvi recomendá-los neste espaço. Para quem se interessar, aproveitem que os dois continuam em cartaz durante essa semana. E o Odeon é ótimo, só de não estar dentro dum shopping (e de ser um dos dois sobreviventes da praça que outrora foi a terra dos cinemas) já sai na frente de qualquer multiplex.



Antes de entrar na sala de projeção, eu já sabia que o documentário Cartola, dirigido pelo pernambucano Lírio Ferreira e Hilton Lacerda, seria emocionante. E, obviamente, não estava enganado. Estão todos lá, em vídeos ou em depoimentos antigos: Zé Keti, Nelson Cavaquinho, Elton Medeiros, Carlos Cachaça, Nelson Sargento, Elizeth Cardoso, Elza Soares, Nara Leão, Chico Buarque, Beth Carvalho e vários outros bambas.


Duas curiosidades interessantes: uma, que eu já sabia, é o fato de Cartola (1908-1980) ter sido re-descoberto por Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, enquanto guardava carros em um edifício em Ipanema. Sumido da Mangueira desde 1948, foi somente em 1956 que Cartola, a partir deste encontro com Stanislaw (este um jornalista influente), arrumou um emprego numa repartição pública e voltou ao cenário da música brasileira. O primeiro disco de Cartola sairia somente em 1974, quando o cantor mangueirense já contava 65 anos de vida. É talvez a maior obra-prima do samba, reunindo, numa só bolacha, Disfarça e Chora, O Sol Nascerá, Sim, Alegria, Acontece, Tive Sim, Corra e Olhe o Céu, Amor Proibido e Alvorada.


A outra curiosidade é a resposta de Cartola à pergunta de um repórter: “quem você gostaria que gravasse uma música sua”? (Àquela altura, muita gente já tinha gravado Cartola, especialmente As Rosas não Falam). E o grande Angenor de Oliveira responde mais ou menos assim: “Olha, aquele garoto, o Roberto Carlos, tinha manifestado a vontade de gravar uma música minha. Eu ia ficar muito satisfeito se ele gravasse”.


Mas o rei RC nunca atendeu ao pedido.






O outro filme é uma comédia, dessa feita com personagens esquisitos e perturbados. Confesso que, atualmente, tenho muita dificuldade de rir em comédias. O humor que me apraz não é feito com pastelões americanos, piadas sobre peido ou no estilo global diarista-sob nova direção-casseta e planeta, mas sim com muita acidez, personagens escrotos e situações tendendo para o politicamente incorreto - sem forçação de barra. E é como defino O Cheiro do Ralo, dirigido por Heitor Dhalia e baseado no livro homônimo de Lourenço Mutarelli. O personagem de Selton Mello, Lourenço, é o cara mais escroto que existe, e é aí que está metade da graça do filme.


O filme, basicamente, é sobre um ralo, um olho e uma bunda. Entre essas três opções, fico com a bunda, e com a frase superescrota do Lourenço:


“Eu poderia passar semanas só olhando pra essa bunda. Mas eu não quero casar com essa bunda. Eu quero é comprar ela pra mim”.




Cartola - Música para os Olhos: 13h15 17h 20h45 exceto segunda, terça e quinta

O Cheiro do Ralo: 15h 18h45

quinta-feira, abril 19, 2007

Caio Prado Júnior

Em razão do centenário de Caio Prado Júnior, a Biblioteca Nacional promove, agora às três da tarde, uma mesa-redonda com o título Caio Prado Júnior: vida e obra. Também ficará aberta na BN, até o dia 18 de maio, uma exposição dedicada ao centenário deste grande intelectual brasileiro.


Há algum tempo atrás, postei aqui um texto que mencionava fatos recentes da História do Brasil e separei, naquela ocasião, uma frase do livro Evolução Política do Brasil (1933), de Prado Jr (que acabei não usando). Reproduzo-a agora, uma vez que considero tal frase bastante pertinente para repensarmos a História que tradicionalmente nos é ensinada nas escolas e em muitas universidades:



“Os heróis e os grandes feitos não são heróis e grandes senão na medida em que acordam com os interesses das classes dirigentes, em cujo benefício se faz a história oficial”.



E seguindo o rastro de homenagens, encerro esta postagem com outra bela frase de Prado Jr, que consta no folder de divulgação do evento supracitado:



"Refiro-me ao intelectual atuante, ao homem de pensamento que não se encerra em torre de marfim, e daí contempla sobranceiro o mundo, (...) aquele que procura colocar o seu pensamento a serviço da coletividade em que vive e da qual efetivamente participa".

terça-feira, abril 17, 2007

Contagem de corpos

Já escrevi hoje aqui no blog, e o tema é inclusive bem mais palatável do que esse. Mas não pude me furtar de desabafar aqui depois do que acabou de acontecer.


Há alguns minutos, por volta das 15hs, escutei três tiros do escritório onde trabalho, junto ao Consulado Estadunidense. Já está na página virtual do Globo (e os ascensoristas daqui, e por extensão todos no prédio, já sabem): uma tentativa de assalto resultou num assaltante morto e duas pessoas feridas (outro assaltante e o assaltado).


Lembrei-me então que chegara atrasado hoje por causa de um congestionamento causado pela chamada “guerra do tráfico” no Morro da Mineira, localizado em cima do túnel Santa Bárbara. O Globo virtual revela: “pelo menos 14 bandidos, segundo a PM, morreram na favela”.


Até agora, portanto, já contamos 15 mortos.


A esses quinze, podemos somar um empresário de funkeiros morto a tiros no Irajá e seis homens mortos a tiros por policiais na favela do Rebu, em Senador Camará, na madrugada de ontem pra hoje.


Nas minhas contas, 15 + 7 = 22.


A divertida Nair Belo também faleceu, mas de morte natural, então não conta. São, até agora (e que eu saiba, podem haver mais) 22 mortes por armas de fogo em menos de 24 horas – e só na cidade do Rio de Janeiro.


E qual a manchete de capa de hoje do mesmo Globo?


“A maior tragédia das armas”.


Mas eles estão se referindo ao massacre feito por um sul-coreano numa universidade da Virginia. O cara matou 32 pessoas por lá. Mas sei que, se o pessoal daqui se esforçar, sem dúvidas consegue bater esse recorde.


Pronto, era isso. Depois desse breve choque de realidade, podemos voltar à mediocridade de nossas vidas, num lugar onde a vida não vale a pedra portuguesa em que se pisa.



Os livros com os quais andei

Desde a mais tenra idade, sempre fui um moleque obsessivo. Tendo desenvolvido o hábito da leitura desde cedo (o que agradeço a meus pais e ao Colégio de Aplicação), caso eu simpatizasse com o estilo de algum escritor, passava imediatamente a devorar toda a sua obra. Comecei pelos que existiam na casa do meu pai, em sua maioria best-sellers: li uns dez livros de Sidney Sheldon, até cansar daquele estilo e partir pra Agatha Christie, de quem li mais uns quinze títulos. Depois foi a vez de Stephen King, mastigando quase tudo que este autor havia produzido na época.


Fazendo esta digressão pelo meu passado, aliás, vi que passei boa parte de minha infância e pré-adolescência lendo livros gringos de suspense. Os títulos brasileiros acabaram tendo pouco espaço nas minhas prateleiras, débito este que pretendo corrigir nos longos anos que me aguardam.


Mas voltando ao assunto, depois de um longo período compulsivo fui finalmente apresentado a Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez, cujo estilo literário me era completamente estranho e pelo qual fiquei fascinado. E daquele momento em diante, minha obsessão passou a ser não propriamente um autor, mas sim um estilo específico, conhecido como realismo mágico (ou realismo fantástico), que encontrou na América Latina o seu mais profícuo terreno.

Em muitos livros deste estilo, os autores recorrem a narrativas fantásticas para contar histórias verdadeiras de lutas dos povos oprimidos, como o extermínio de trabalhadores grevistas na Colômbia em Cem Anos ou a revolta camponesa no Peru contra uma empresa mineradora norteamericana em Bom-dia para os Defuntos (livro que, aliás, já foi muito bem recomendado no quintal do camarada Diogo Lyra).


O segredo do realismo mágico reside, segundo o português João de Melo, na descoberta de uma prática ficcional “simples e simultaneamente deslumbrada, recorrendo aos grandes temas sociais, sem dúvida, mas envolvendo as realidades descritas numa auréola de sonhos, crenças e rituais lendários que bem podem estar na origem de uma nova mitologia literária.” Nada que pudesse satisfazer com mais propriedade meus anseios literários.


De fato, não é difícil aproximar a mitologia grega clássica do realismo mágico. Além da aura de fábula, da naturalização do fantástico e da presença do elemento sensorial como parte da percepção da realidade, também podemos encontrar em ambos os estilos uma representação cíclica do tempo, onde presente e passado se visitam e se misturam sem respeitar uma linearidade.


Isso me remete à história deus grego Prometeu, que enfureceu Zeus por levar o fogo à humanidade e, como castigo, foi amarrado ao Monte Cáucaso, onde todos os dias uma águia monstruosa devorava parte do seu fígado – que voltava a crescer e era devorado no dia seguinte, todos os dias, por um período de cerca de 12 gerações. E o que dizer do cavalo de Pedro Páramo (primoroso livro de Juan Rulfo), que continuava a cavalgar todas as noites até a casa da amada de seu dono – mesmo depois deste ter morrido?


Estou seguro (expressão típica da língua espanhola) que até hoje nenhum estilo literário me foi tão instigante quanto o tal realismo mágico – tanto que já reli maioria dos livros que tenho. Assim, àqueles que não tiveram a oportunidade de se maravilhar com a fantasia latino-americana, deixo uma lista contendo alguns destes títulos, para que possam fazê-lo no futuro (ou no passado, já que nestas histórias o tempo é relativo):


De Gabriel García Márquez: Amor nos Tempos do Cólera, uma fantástica história de amor; Memórias de Minhas Putas Tristes, o mais recente, curto e lírico, ideal pra os neófitos que desejam se iniciar na leitura; e Cem Anos de Solidão, hors concours, que emplacou inclusive o prêmio Nobel de literatura de 1982.


De Juan Rulfo: Pedro Páramo e Planalto em Chamas. São os dois únicos livros que o autor escreveu, e desde então vastamente estudados nas universidades desde que foram publicados, nos anos 50 - tendo influenciado García Márquez e vários outros autores. Neste ano ganharam nova tradução em edição recente, sendo o Planalto rebatizado de Chão em Chamas.


De Manuel Scorza: Bom-dia para os Defuntos revela uma primorosa escrita do autor, e uma tragédia vivida pelo povo peruano nas mãos da Cerro de Pasco Corporation.


De Júlio Cortazar não li nada, infelizmente, mas já me recomendaram O Bestiário.


De Manuel Vargas Llosa: não sei se caberia chamar de realismo mágico, mas que se dane: Pantaleão e as Visitadoras brinca com os procedimentos e burocracias militares e é o livro mais divertido que já li.





segunda-feira, abril 16, 2007

Ainda sobre o "baixo"


...E enquanto o Gol Mil não vem, reproduzo aqui duas sugestões extraídas do texto de L.A. Simas:



1. Romário faz o milésimo gol, só que contra. Seria fantástico ver o baixinho meter seu gol 1000 no próprio Vasco, não?


2. Roma não faz o gol, nem daqui há um mês, nem nunca mais. Encerra sua carreira no 999, a "besta invertida".



Difícil saber qual é a melhor opção. Mas bom mesmo é ler o texto do Simas na íntegra, cujo sugestivo título é "Ei, Galvão, vai tomar no cu".

quinta-feira, abril 12, 2007

O carro do Romário

Ele é milionário e pode ter Audis, Astras, Pajeros, até mesmo Ferraris, Porsches e Lamborghinis. Mas existe um carro que o baixinho não consegue dirigir...














infame, não?

terça-feira, abril 10, 2007

Tupi or not tupi, that is the question

Caso um neófito em história brasileira republicana se proponha nela mergulhar, com o intuito de desvendar o período em que a questão da identidade nacional começa a ser abertamente estruturada por intelectuais, artistas e até mesmo autoridades governamentais do país, encontrará seguramente nas décadas de 1920 e 1930 a sua fase mais frutífera. Tendo a abolição da escravatura e a proclamação da República como processos recentemente deflagrados, o Brasil do início do século XX procurou, através do movimento modernista, estabelecer um novo tipo de diálogo com as informações irradiadas dos países centrais.


Nesta época, as influências externas que chegavam ao Brasil estavam relacionadas ao processo civilizador pelo qual nações como França e Inglaterra haviam recentemente atravessado em suas conjunturas internas. Uma vez visto como completo e terminado pelas sociedades européias em seu próprio seio (especialmente no e após o século XIX), o conceito de civilização se transforma em justificativa para a conquista e dominação de povos não-europeus, vistos como incivilizados e, portanto, inferiores, da mesma maneira como a aristocracia da corte se enxergava perante os outros estratos sociais que a rodeavam.


Se a civilização tinha a Europa como centro, o ingresso do Brasil nos tempos modernos, especialmente após o advento da República, implicava a imposição de um modelo de civilização que excluía a diversidade brasileira, pois que calcado na experiência européia. O endeusamento do modelo civilizatório, notadamente parisiense, crescia durante as primeiras décadas do século XX, em detrimento da mistura de tradições que caracterizava a sociedade brasileira.


Neste período, conhecido como a belle époque carioca, a postura da elite (especialmente no Rio de Janeiro, então capital da República) era a de negar qualquer manifestação da cultura popular, o que era feito através da expulsão dos pobres e portadores de heranças culturais tradicionais dos centros (o que ocorreu no Rio através das reformas do prefeito Pereira Passos no panorama urbanístico do centro da cidade, na década de 1910) e da tentativa de erradicação das religiões afro-brasileiras e do controle policial das festas carnavalescas.


Tal visão elitista, como fica claro, encontrava-se impregnada de valores construídos de fora para dentro, resultante de um grande torcicolo cultural que denunciava o papel central de países estrangeiros na constituição do caráter nacional do Brasil. Com efeito, o vírus do recalque só acharia um antídoto, ao menos no plano cultural, a partir da fruição intelectual ocorrida no movimento Modernista.


Não irei aqui me deter nas idiossincrasias do Modernismo, uma vez que tal esforço exigiria a redação de um novo artigo (o que provavelmente farei em outra oportunidade). O importante, neste momento, é frisar que os modernistas brazucas procuraram valorizar um olhar introspectivo em relação à sua própria cultura, sem que a proposta de um contato mais direto com as particularidades brasileiras fosse revestida de um caráter exótico e cerrado, cientes que estavam da necessidade de alinharem-se à marcha de modernidade e progresso, símbolos da civilização européia que aqui se fazia impor.


O ponto é que, desde então, a discussão entre o que é parte da “cultura brasileira” e o que seria “influência externa” tem alimentado discussões em salas de aula, pátios de faculdades, mesas de botequins. Enquanto Mário de Andrade, na década de 20, não via com bons olhos a proposta oswaldiana de absorver influências externas – cioso da possibilidade de descaracterização da nossa cultura – , o crítico José Ramos Tinhorão, quase 50 anos depois, chegava ao ponto de ver na Tropicália de Gil e Caetano um plano para impor a dominação cultural estadunidense (afinal, aqueles baianos estavam botando roquenrol na bossa-nova, que porra é essa?).


Pra não dizerem que estou exagerando, vejam o que o cara escreveu:


“Alinhados com o pensamento expresso por seu líder Caetano Veloso, “Nego-me a folclorizar meu subdesenvolvimento para compensar as dificuldades técnicas”, os tropicalistas renunciaram a qualquer tomada de posição político-ideológica de resistência e, partindo da realidade da dominação do rock americano (então enriquecido pela contribuição inglesa dos Beatles) e seu moderno instrumental, acabaram chegando à tese que repetia no plano cultural a do governo militar de 1964 no plano político-econômico. Ou seja, a tese de conquista da modernidade pelo simples alinhamento às características do modelo importador de pacotes tecnológicos prontos para serem montados no país” (Tinhorão, História social da música popular brasileira, p. 324-325).


Com o movimento Mangue não foi diferente. A peleja entre Chico Science e o escritor Ariano Suassuna, Secretário de Cultura de Pernambuco entre 1995 e 1998 (durante o governo de Miguel Arraes), resultou em frases como esta, dita por Suassuna a Chico:


“Você está servindo de ponta-de-lança para os piores inimigos do Brasil, aqueles que tentam descaracterizar a nossa cultura. Mude o nome de Chico Science para Chico Ciência que eu subo no palco do seu lado”.


Ou seja, existe um claro embate cultural travado há quase cem anos no Brasil (e também alhures) entre os que assumem uma postura “purista”, de defesa da legitimidade da cultura brasileira, e os que promovem a livre imbricação entre as culturas.



Pessoalmente, considero os dois lados discutíveis, pois se há algo de nocivo na irrefletida absorção de elementos culturais externos, por outro lado acho um tanto complicado recorrer a uma suposta “legitimidade” cultural tupiniquim – e assim como Alfredo Bosi, me recuso a ver a “cultura brasileira” assim, no singular, preferindo pensar em “culturas populares” de forma plural.



segunda-feira, abril 09, 2007

Churrasco na Floresta da Tijuca

Difícil, para realizar um programa como esse, é acordar cedo num dia de sábado. Superado este obstáculo, porém, a recompensa é imensurável: clima aconchegante, cerveja gelada, múltiplas carnes na brasa e a agradável companhia de amigos, bebês, borboletas, micos e guaxinins. Só faltou levar o violão.





A companhia de amigos: da esquerda pra direita, uma menina de lacinho rosa, Ligita, Cris, Cissa carregando o pequeno Otto, Paulinho, Lelo, Nanda, Dig e Guto. Vale dizer que metade desse pessoal nós encontramos na Floresta por acaso! Coisas da vida.





Nas lentes, este que vos escreve. E pilotando a churrasqueira, adivinhem – ela mesmo, minha bonita! É que, como bem frisou a Ligita, alguém tem que fazer o papel de homem nessa galera!







E na foto abaixo vocês podem ver o Otto, o bebê mais zen dessa Cidade Maravilhosa, tomando um chifrinho do sempre zoador Diogo Lyra, aquele que não poupa nem homem, nem mulher, nem ao menos velhinhos e sequer bebês!


quinta-feira, abril 05, 2007

O novo e o velho


"Não tenho ilusões de ser compreendido pelos jovens, porque é impossível instaurar uma relação de caráter cultural com eles, já que vivem novos valores com os quais os velhos valores - em nome dos quais eu falo - são incomensuráveis."



Pasolini

quarta-feira, abril 04, 2007

O fino do mau humor

Inaugura-se hoje, neste muquifo virtual, a coluna de El Cascarravias, que irá escrever sempre que lhe saltar a veia do meio da testa. Postei umas fotos para "colorir" um pouco o texto. E para os que não conhecem o estilo deste pujante escritor, leiam a frase que o próprio me mandou, apresentando este primeiro libelo:


"segue minha espuma de canto de boca dessa semana".



Divirtam-se... se puderem.



* * *



Deixai fazer, deixai passar...


Além dos amigos do Arthur com um outro amigo em comum, quem mais costuma ouvir falar da Comissão de Valores Mobiliários? Virtualmente ninguém, e a razão é simples: trata-se de uma autarquia com atuação discreta, e cujas funções, em condições normais de temperatura e pressão econômica, são de pouco interesse para o noticiário, ávido de factóides. Há pouco mais de dez dias a CVM tem se tornado vedete, se não do noticiário em geral, no mínimo dos cadernos voltados para economia; pequena pausa para uma olhadinha na página de economia mundial. Olha vejam só, não é que a União Européia está neste mesmo jornal, e por motivos ‘estruturalmente’ semelhantes ao do caso anterior? Chega de bobagem, aos fatos.


A CVM ronda as colunas de Miriam Leitão (putz!) e seus pares por ter encontrado uma saída clássica pra desviar a atenção de eventuais problemas internos: apontar erros externos. Se um certo governo prepotente de uma certa nação imperialista da América do Norte pode arrasar uma nação com este intuito, é razoavelmente tranqüilo que uma repartição pública atrapalhe negociatas escusas pra que esfriem rumores quanto à sua administração. De mais a mais, esta é sua função. Dando nome aos bois (ou crocodilos), as autoridades públicas responsáveis por controlar minimamente o mercado de capitais quiseram um pouco mais de explicações para os movimentos, mais do que atípicos, percebidos na movimentação de compra e venda de ações – da Ipiranga primeiro, e agora da Varig. Um cheiro de maracutaia foi sentido no ar depois que valorizações ‘sospechosas’ precederam dias de decisões cruciais na organização dessas empresas.


E a União Européia nessa? Bem, assisti ontem a indignação dos auditores do Velho Mundo com o padrão de comportamento da Apple em seu continente. Concluíram que as práticas comerciais da empresa de informática, no que se refere à negociação de músicas no espaço virtual, agrediam frontalmente as regras da harmoniosa concorrência; tucanaram o monopólio com o nome de cartel. Os astutos executivos da maçã digital elaboraram um eficiente esquema para evitar que portadores de dinheiro mais valioso conseguissem comprar o mesmo produto mais barato em outras paragens.


Há algo em comum nos dois casos? Muito. Em qualquer um dos dois, percebe-se claramente onde vai parar o ‘livre funcionamento das forças de mercado’: monopólio, predação, concentração. A falácia do laissez-faire como promotor preferencial dos interesses sociais cai por terra quando se dá uma olhadela em como funciona realmente o capitalismo contemporâneo. Deixado a sua própria sorte, o que o mercado promove é a aniquilação dos interesses gerais em nome do mais forte. Nada mais condizente com a lógica do salve-se quem puder em ambiente de competição.


Qual foi a resposta? A mesma que deram Bismarck na Alemanha, Napoleão III na França, Vargas no Brasil, e os EUA ao longo de toda sua história a partir do final do século XVIII: sem participação ativa do Estado, a economia leva ao fortalecimento gradual do mais forte, rumo ao colapso.


É por isso que não tenho dúvida – liberalismo no dos outros é refresco.


El Cascarravias

segunda-feira, abril 02, 2007

BBB 7


...E mais uma vez na história recente, homens, mulheres e crianças se unem para saudar o escolhido e gritar aos quatro ventos:




- Alemão, o povo está com você!!!







p.s. - Tá bom, eu sei que o cara aí em cima era austríaco, mas não queria perder a piada...