De volta à Cidade Maravilhosa, ainda que em ritmo lento. Minha apresentação no congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia foi bastante proveitosa, pelo que pude perceber das perguntas que foram endereçadas a mim. Infelizmente, ainda há muita gente com a crença de que a apropriação da cultura popular pela classe média é sinônimo de integração social.
Lembrei que escrevi um texto, logo que criei este blog, com alguns apontamentos sobre as semelhanças entre o funk e o samba. Pra quem não leu, vale dar uma conferida no texto, aqui.
E Recife é, de fato, minha segunda cidade. Nessa viagem, a terceira que fiz este ano, o que me chamou a atenção foi a diversidade das frutas vendidas nos sinais de trânsito. Sapotis, morangos, mangabas, frutas do conde, umbus, pitombas e muitas outras promovem um festival gastronômico de cores e sabores, que não se restringe às frutas e avança orgiasticamente por toda a culinária, nos arrumadinhos e nas galinhas à cabidela, no cuscuz e no mungunzá, bem como nos diversos tipos de caranguejo, típico animal local que foi amplamente utilizado pelos idealizadores do movimento Mangue - os "caranguejos com cérebro".
Esta analogia entre homens e caranguejos já havia sido feita em profundidade pelo médico pernambucano Josué de Castro, há mais de quarenta anos atrás. No romance Homens e Caranguejos, publicado em 1966, o autor revela ter cedo se dado conta de um “estranho mimetismo: os homens se assemelhando em tudo aos caranguejos. Arrastando-se, acachapando-se como caranguejos para poderem sobreviver. Parados como os caranguejos na beira da água, ou caminhando para trás como caminham os caranguejos”.
A partir desta percepção, Josué complexifica sua analogia e escreve um belo parágrafo sobre esse "estranho mimetismo", que cito abaixo:
"Os mangues do Recife são o paraíso do caranguejo. Se a terra foi feita para o homem com tudo para servi-lo, o mangue foi feito essencialmente para o caranguejo. Tudo aí é, ou está para ser caranguejo, inclusive a lama e o homem que vive nela. A lama misturada com urina, excremento e outros resíduos que a maré traz, quando ainda não é caranguejo vai ser. O caranguejo nasce nela, vive dela, cresce comendo lama, engordando com as porcarias dela, fabricando com a lama a carninha branca de suas patas e a geléia esverdeada de suas vísceras pegajosas. Por outro lado, o povo daí vive de pegar caranguejo, chupar-lhe as patas, comer e lamber seus cascos até que fiquem limpos como um copo e com sua carne feita de lama fazer a carne do seu corpo e a do corpo de seus filhos. São duzentos mil indivíduos, duzentos mil cidadãos feitos de carne de caranguejos. O que o organismo rejeita volta como um detrito para a lama do mangue para virar caranguejo outra vez".
Concluo, portanto, que não é difícil concordar com os versos de Chico Science:
Ô Josué, nunca vi tamanha desgraça!
Quanto mais miséria tem, mais urubu ameaça.
11 comentários:
pãnãnãnãnãnãnã pãnãnãnãnã pãnãnãnãnãnãnan pãnãnãnã nãnãnãnãnãnãnã (Som ouvido incessantemente pelas ruas do Recife Antigo)
Valeu Arthur, grande companheiro de viagem!
Agora temos q nos reunir pra ver as fotos e comer um munguzázin!
antes mesmo de ler teu comentário, eu já sabia que o "pãnãnã" estaria aqui...
Um luxo esse parágrafo do Josué. Não sou tão assim assim com Recife... só vou lá pra comer mesmo. Amo o baque virado, amo um monte de coisas e desprezo outras tantas. Não como guaiamum e afins nem por um caralho. É trabalho demais pra um pouquinho só de carne nojenta.
E quanto a "Vassourinhas"... bem, vc sabe meu lance com essa canção.
Bom dia, meu amigo querido.
e fica a velha pergunta:
como é que pode umbu ser tão gostoso?
Não acredito que você deixou as frutas mais chocantes de fora! Me refiro àquelas que são eletrônicas e que tem como companheiros inseparáveis, os videos-bingos, video-poquers...
Será que como dizia nosso glorioso Zezedi, ou seria o Leonardo: é o amo ôôr!!!(pela 2a cidade, óbvio, não quero te comprometer...)
Beijoca!
da lama ao caos, do caos à lama,
o homem roubado nunca se engana!
sonho em conhecer o Recife,
farei o mais breve possível!
Bjs!
como diria Barney Greenway... I Abstain!!!
Estive em Recife há 2 anos, também em ocasião de um congresso. O jeito das pessoas me chamou a atenção, de verdade. Os recifenses são muito receptivos e simpáticos. Adorei assitir o Maracatu, senti falta de feijão, senti muito calor e me senti um ET quando fui à praia com essa cor "montanhesa".
Você chegou a conhecer o Museu do Brenan?
sabe, acho que o importante mesmo é viver a vida de maneira transcedental e plena, seja no recife, em tikriti ou na vila kennedy.
enquant permanecermos todos com essa empáfia sufocante, sem nos darmos conta das possibilidades exuberantes em cada esquina que dobramos, continuaremos sem o verdadeiro sentimento do viver e do experimentar
mal posso esperar por hercolubus.
Homens e caranguejos.... Eis aí um de meus livros de cabeceira! Adorei vê-lo citado aqui!
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