Acabei de assistir uma palestra, feita por um médico que já trabalhou em CTI e hoje é coordenador da área de saúde ocupacional de uma grande empresa, sobre o Combate às Drogas. Os que me conhecem – e muitos dividem comigo o mesmo sentimento – sabem que sou arredio quanto a discussões abertas sobre o tópico, uma vez que minhas opiniões divergem do “senso-comum” (ê termozinho complexo) por uma série de motivos. E como o assunto é tabu, até mesmo expô-lo aqui pode ser arriscado. Todavia, ainda me encontro “entorpecido” por tudo que foi dito na palestra, e motivado por esse “barato” resolvi discutir apenas alguns pontos desse delicado tema.
Basicamente, gostaria de começar reproduzindo a definição de vício dada pelo palestrante:
“Inclinação para o mal. Prática irresistível de mau hábito, conduta ou costume censurável ou condenável”.
Pesado, não? Mas se formos buscar lá em Aristóteles a noção de vício, embora também visto de forma negativa, o entenderemos tanto como um derivado do excesso, como da falta. E isto porque, em Aristóteles, a virtude (tema caro ao filósofo) está no meio – não no meio aritmético, mas na justa medida das coisas, ou seja, no vértice de eminência.
Basicamente, gostaria de começar reproduzindo a definição de vício dada pelo palestrante:
“Inclinação para o mal. Prática irresistível de mau hábito, conduta ou costume censurável ou condenável”.
Pesado, não? Mas se formos buscar lá em Aristóteles a noção de vício, embora também visto de forma negativa, o entenderemos tanto como um derivado do excesso, como da falta. E isto porque, em Aristóteles, a virtude (tema caro ao filósofo) está no meio – não no meio aritmético, mas na justa medida das coisas, ou seja, no vértice de eminência.
Para melhor entendermos esta justa medida, podemos recorrer ao quadro resumido de “vícios por deficiência”, “vícios por excesso” e a “virtude” correspondente, que está situada entre ambos. Este quadro, que reproduzo abaixo, está nos textos da Ética a Nicômaco:
Vício por deficiência ...........Virtude ............Vício por excesso
Covardia ...............................Coragem ........................Temeridade
Insensibilidade .....................Temperança ..................Libertinagem
Avareza................................Liberalidade ....................Esbanjamento
Vileza .................................Magnificência ....................Vulgaridade
Modéstia ..............................Respeito Próprio .............Vaidade
Moleza ..................................Prudência ........................Ambição
Indiferença ............................Gentileza.........................Irascibilidade
Descrédito Próprio .................Veracidade ....................Orgulho
Rusticidade ...........................Agudeza de Espírito ........Zombaria
Enfado ...............................Amizade .......................Condescendência
Desavergonhado ..................Modéstia ..........................Timidez
Malevolência ........................Justa Indignação ...............Inveja
Vício por deficiência ...........Virtude ............Vício por excesso
Covardia ...............................Coragem ........................Temeridade
Insensibilidade .....................Temperança ..................Libertinagem
Avareza................................Liberalidade ....................Esbanjamento
Vileza .................................Magnificência ....................Vulgaridade
Modéstia ..............................Respeito Próprio .............Vaidade
Moleza ..................................Prudência ........................Ambição
Indiferença ............................Gentileza.........................Irascibilidade
Descrédito Próprio .................Veracidade ....................Orgulho
Rusticidade ...........................Agudeza de Espírito ........Zombaria
Enfado ...............................Amizade .......................Condescendência
Desavergonhado ..................Modéstia ..........................Timidez
Malevolência ........................Justa Indignação ...............Inveja
Em Aristóteles, as virtudes não são hábitos do intelecto (como queriam Sócrates e Platão), mas da vontade. Para Aristóteles não existem virtudes inatas, mas todas se adquirem pela repetição dos atos que, para gerarem as virtudes, não devem desviar-se nem por falta, nem por excesso, pois que a virtude consiste na tal justa medida, longe dos dois extremos.
“A virtude é portanto uma disposição adquirida voluntária, que consiste, em relação a nós, na medida, definida pela razão em conformidade com a conduta de um homem ponderado. Ela ocupa a média entre duas extremidades lastimáveis, uma por excesso, a outra por falta. Digamos ainda o seguinte: enquanto, nas paixões e nas ações, o erro consiste ora em manter-se aquém, ora em ir além do que é conveniente, a virtude encontra e adota uma justa medida. Por isso, embora a virtude, segundo sua essência e segundo a razão que fixa sua natureza, consista numa média, em relação ao bem e à perfeição ela se situa no ponto mais elevado”. (Ética a Nicômaco, II, 6)
Agora vamos retornar dessa viagem milenar para o nosso tempo. O estilo de vida que nos é vendido por todo o sistema econômico que vivemos, por toda a racionalização da vida a qual temos sido submetidos há alguns séculos, nos leva irremediavelmente a uma busca pelo excesso, em diversas esferas. Os fabricantes de produtos, seus vendedores, os canais de mídia e publicidade, todos querem que nos comportemos como legítimos consumidores. Exemplo tosco, mas que serve: se você começar a ficar bêbado e tiver que dirigir, você é aconselhado a parar de beber ou a enfiar o pé na jaca mesmo e voltar de táxi?
Aí, indo contra toda essa corrente, autoridades defendem o fim do uso das drogas, o combate às drogas (título da palestra que assisti, lembram?). Os mais conservadores e/ou ignorantes do tema ainda responsabilizam os usuários pelo problema do tráfico de drogas, uma vez que dão dinheiro para os traficantes.
Ora, a proibição das drogas é coisa recente na história do homem sobre a Terra. O uso de drogas, em rituais ou mesmo fora deles, data de mais de 10.000 anos. E todos os trilhões de dólares que o governo americano gastou até agora no combate às drogas não fez com que o uso de entorpecentes acabasse. E é claro que nunca vai acabar. Além do mais, acredito que governos não podem invadir o espaço privado do cidadão e arbitrar sobre o que ele pode ou não fazer nos seus domínios pessoais, sem que haja conseqüências a terceiros. Este é, talvez, um dos piores legados de alguns políticos americanos para a política mundial de combate às drogas: colocar a repressão mil léguas à frente da prevenção, do tratamento médico e do controle do uso abusivo - afinal, se a virtude está no meio, não é o uso que se deve combater, e sim o abuso.
O tráfico só existe porque foi politicamente decidido que certas drogas são legais e outras, ilegais. Proíbam cigarros e bebidas alcoólicas e verão um novo cartel nascer debaixo de suas narinas – como foi com Al Capone na Chicago dos anos 20, quando o número de bares onde ouvia-se o jazz (que era reduzido na época da legalidade) pulou para mais de 300 estabelecimentos clandestinos na época da proibição.
Às vezes eu me bolo com a estupidez humana pra certos assuntos.
* A lição aristotélica eu aprendi através de uma história que envolve a filha de uma grande amiga, Lady Gahiva. Antônia, de 8 anos, voltou de uma festinha com a barriga doendo de tanto tomar refrigerante, no que foi prontamente advertida pela mãe:
- tá vendo só? O que é foi que Aristóteles disse?
- A virtude está no meio, mamãe.
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