quinta-feira, maio 03, 2007

Sobre a Loucura


Faltam dois anos para que o livro Elogio da Loucura, de Erasmo de Rotterdam (1467-1536), complete 500 anos. Como não sei se a violência, o aquecimento global ou a iminente invasão (militar) dos EUA ou (cultural) da China me permitirão estar vivo até então, resolvi antecipar minha homenagem a este belo e irreverente livro.


Escrito em 1509 na casa de Thomas Morus – ou More (1478- 1535), o Elogio da Loucura trata exatamente sobre o que o título propõe: a Loucura, enquanto interlocutora, faz uma espécie de ode a si mesma – uma vez que os homens são ingratos e não se atreveriam a tanto.


Esta homenagem auto-referida justifica-se pela Loucura acreditar ser, ela própria, responsável pela alegria dos homens e dos deuses, das crianças e dos velhos. Isto porque, enquanto “estado natural do homem”, se contrapõe à sabedoria, e neste sentido arranca felicidade do agir sem pensar, da ação desmesurada e despreocupada. É por estes motivos, aliás, que a Loucura julga ser responsável pelo matrimônio – afinal, quem, em sã consciência, se atiraria em tal direção por livre e espontânea vontade?


Diz a Loucura:


“Afinal de contas, nenhuma sociedade, nenhuma união grata e durável poderia existir na vida sem a minha intervenção: o povo não suportaria por muito tempo o príncipe, nem o patrão o servo, nem a patroa a criada, nem o professor o aluno, nem o amigo o amigo, nem o marido a mulher, nem o hospedeiro o hóspede, nem o senhorio o inquilino, etc., se não se enganassem reciprocamente, não se adulassem, não fossem prudentemente cúmplices, temperando tudo com um grãozinho de loucura”.


É importante contextualizar a época em que o livro foi escrito, e ter em mente que Erasmo era um humanista, defensor da natureza em detrimento das ciências, que levariam o homem a um estado artificial (este é, pelo menos, meu parco entendimento sobre o que rolava na época). É neste contexto histórico que a Loucura enaltece as palavras de Sófocles ("quanto menor a sabedoria, maior a felicidade") enquanto critica a conduta de Sócrates:


“Mas, afinal de contas, porque é que esse grande homem foi acusado perante os magistrados? Porque foi ele condenado a beber cicuta? Não teria sido, talvez, a sua sabedoria a causa de todos os seus males e, finalmente, de sua morte? Tendo passado toda a vida a raciocinar em torno das nuvens e das idéias, ocupando-se em medir o pé de uma pulga e se perdendo em admirar o zumbido do pernilongo, descuidou-se esse filósofo do estudo e do conhecimento dos homens, bem como da arte sumamente necessária de se adaptar a eles”.


Ter contato com este livro durante o mestrado aprouve-me de várias maneiras, sobretudo por tratar-se de uma leitura leve e por destilar, de forma bastante humorada, críticas sagazes à figura do “sábio” ou “intelectual”. Os trechos que cito abaixo são o melhor exemplo do que digo. Divirtam-se com a descrição do sábio feita pela Loucura.


“Vede aqueles homens magros, tristes e rabugentos que se dedicam ao estudo da filosofia ou alguma outra coisa difícil e séria; a alma deles, constantemente agitada por uma multidão de pensamentos diversos, influi sobre seu temperamento; os espíritos vitais dissipam-se em grande abundância, o úmido fica seco, e geralmente eles se tornam velhos antes de terem sido jovens”.


“Meus loucos, ao contrário, sempre gordos, trazem no rosto a imagem brilhante da saúde e da fartura. E certamente não sentiriam nenhuma das fraquezas se não fossem sempre um pouco afetados pelo contágio dos sábios”.


“Convidai um sábio para um banquete, e vereis que ou conservará um profundo silêncio ou interromperá os demais convidados com frívolas e importunas perguntas. Convidai-o para um baile, e dançará com a agilidade de um camelo. Levai-o a um espetáculo, e bastará o seu aspecto para impedir que o povo se divirta. (...) Entra o sábio em alguma palestra alegre? Logo todos se calam, como se tivessem visto o lobo. Trata-se, porém, de comprar, de vender, de concluir um contrato, em suma, de fazer uma dessas coisas que diariamente sucedem a cada um? Tomareis o sábio mais por uma estátua do que por um homem, a tal ponto se mostra ele embaraçado em cada negócio. Assim, o filósofo não é bom, nem para si, nem para o seu país, nem para os seus. Mostrando-se sempre novo no mundo, em oposição às opiniões e aos costumes da universalidade dos cidadãos, atrai o ódio de todos com sua diferença de sentimentos e de maneiras”.


...

7 comentários:

Diogo Lyra disse...

Um dos meus livros prediletos, certamente. Lemos juntos, no mesmo curso do IUPERJ, e me deu até vontede de relê-lo. Lembro que uma das discussões sobre esta obra se referia justamente ao olhar de Erasmo sobre a loucura:

1) A medieval-foucaultiana, que acreditava tratar-se de uma crítica aos "maus" costumes representados pela loucura;

2) a renascentista, que via na obra uma crítica debochada aos arreios controladores impostos sobre o homem.

Hoje eu tenho certeza de que a loucura não passa de um exercício de liberdade. Estou com Da Vinci& Cia!!!!

Unknown disse...

O cara que escreveu este livro é um sábio...

gigi disse...

oiiiiiiiiiiiiiiiiiiii

Anônimo disse...

Oh Casca? Where are you Casca? I can not believe you have nothing to say about the Late Great Patron Saint of Politicians, Thomas More. Silence? Hmmmm...

Anônimo disse...

Hi, i'm Garrett, from Brokeback Montain. Where are you Casca? I need you fuck me now!!!!

blah disse...

dizem que sou louco...
por pensar assim...

mas louco é quem me diz...
que não é feliz.

eu juro que é melhor,
não ser um normal,
se eu posso pensar
que deus sou eu
e blrbrlbrlbr

Anônimo disse...

Ok alternative me, you're on. Let's ride! We're going to follow the spirit of ABSURDOSTUROS to the very letter. It's a game you know...say whatever you like. It only adds to the absurdity.
The fact you're actually responding with intermediate level english is an excellent start. My gringo friends now reading this blog can at least comprehend some of the hate that comes my way...
Although it's not an issue with me, the fact that you have either the ability or inability to write proper english IS of course a thing of serious importance to your fellow compatriots. If you soon begin responding in Portuguese, then the absurdity grows even larger.
Let's see... your latest post was at 12:50am. Late thursday night or very early friday morning depending upon one's perspective. We gringos surf the net at this time, well...because the police around these parts seriously frown upon all night public drinking binges and good pussy is also quite difficult to find. Christ, you have no idea how many pussy-starved steroid consuming cops are out there these days! Looking for any reason to bash some skulls. Fuckin' Orcs...
A question is begging to be asked then. What carioca desires to be on a personal computer at this time of night? I mean, there is so much to do like getting laid or out drinking with friends. Sleeping would seem like a better option wouldn't you think? For some reason I think you're unable or unwilling to do these sorts of things. Que Pena...
Yes, what also has happened to the mighty Cascarravias? The heroic warrior of both wit and socio-historical knowledge, battling against Gringo Hubris in all of it's forms?
Dude still owes me that "dossier" on Roberto Rodrigues and of course a much more in depth explanation about how the entire history of the USA is tied in with Otto von Bismark, Napoleon III and Presidente Vargas.
Perhaps Cascarravias is laboring long into every night doing his best to make ready these things I have requested. This might possibly explain his absence from ABSURDOSTUROS. Then again I did tell him to go learn how to make some rice and beans. Hell, even I know how to prepare this most basic and traditonal of carioca meals... I would hate to think he has given up.
Well it's been some 600 plus days and I finally heard RAGE played on american FM radio. Guess what the song was? "Sleep Now in the Fire"!!!! Hahahahahahahahhahahahahahahahahaha!!!!!! What fuckin' irony!!!!
See 'ya on Arthur's other postings. You have been forewarned as well. You ride with me at your own peril...