segunda-feira, maio 21, 2007

Sobre a bossa nova

Trabalhar com projetos culturais tem lá suas vantagens. Neste fim de semana, por exemplo, fui incumbido da missão de ir à Conservatória, distrito de Valença, para acompanhar a 6ª edição do evento Noite da Bossa Nova, que acontece anualmente por lá.


Conservatória, apropriadamente conhecida como capital da Seresta, é um ótimo lugar pra quem gosta da música de nossos cantadores e seresteiros. Suas casas emplacadas com nomes de músicas, seus restaurantes com comida caseira e música ao vivo, suas serestas semanais que agregam locais e visitantes numa espécie de procissão musical, enfim, são fatores tão aconchegantes que acabaram dando a este parágrafo uma cara de matéria de revista de viagem e turismo.


Mas minha intenção era falar da bossa nova, estilo musical surgido no berço da classe média carioca dos anos 1950 a partir de uma apropriação do samba por estes segmentos, e com alguma pitada do jazz norte-americano – ou, como querem os que compram o discurso elitista, uma “sofisticação” do samba (este sim música popular, pois que produzido pelas chamadas “classes populares”).


O nascimento da bossa nova está registrado nos sulcos do vinil Chega de Saudade (1959), de João Gilberto, mais precisamente no jeito de tocar violão que este músico desenvolveu: enquanto o dedão faz, nos bordões do violão, a marcação mais forte do segundo tempo do compasso – característica magna do samba –, os outros dedos puxam as cordas agudas em ritmo sincopado. Ou seja: as notas graves reproduzem o tempo do surdo, enquanto as agudas fazem as vezes de tamborins. Esta adaptação do ritmo percussivo do samba para as harmonizações violonísticas foi essencial para a consolidação da bossa nova como estilo ímpar de execução musical, influenciando praticamente todos os gigantes do violão que surgiram posteriormente, como Baden Powell e seu também ímpar estilo (aproveito para recomendar, veementemente, especial atenção ao violão dos afro-sambas de Baden e Viníncius de Moraes).


Mas há um elemento extra, bastante arraigado no estilo bossanovístico de se tocar e também importantíssimo para marcar a identidade sonora do estilo: trata-se de cantar e tocar o violão bem baixinho, quase sussurrando. O motivo disso é explicado por Carlos Lyra ou Roberto Menescal (não lembro qual dos dois) no filme Coisa Mais Linda: é que naquele tempo a explosão da especulação imobiliária deu início a uma onda de construções de edifícios (que perdura até hoje) com apartamentos menores e com menos isolamento acústico. A solução, para evitar as reclamações de vizinhos e chamadas policiais, era tocar e cantar cada vez mais baixo, o que logo se transformou em característica marcante.



Ou seja: nada mais avesso à bossa nova do que o furdunço provocado pelas rodas de samba nos botequins e lares da zona norte e dos subúrbios da cidade – as mesmas rodas de samba que outrora serviram de argamassa para a construção do estilo musical que, ironicamente, ficaria conhecido como Música Popular Brasileira.

16 comentários:

blah disse...

adoro bossa

Cascarravias disse...

por mim, tu podia ter continuado a falar sobre conservatoria.

mas ja que és desse metie, pq diabos uma musica tocada por legítimos estadunidenses do leblon compartilha com os mineiros a fixação com diminutivos? pq sempre tem que ter um banquinho, ou barquinho, uma tardinha, um patinho, a noitinha... saco!

Unknown disse...

Ai Arthur, to louca pra ir a conservatoria, me da dicas de hotel e como chegar la, please

vou receber parte do 13 agora no meio do ano, vou com o bofe.

aguardo contato via email,

beijos
Hi

Anônimo disse...

Eu odeio Bossa-Nova!

Eu odeio banquinho!

Eu odeio violão!

Eu odeio o Corcovado!

Eu odeio a felicidade!

Eu odeio a saudade!

Eu odeio Ipanema!

gigi disse...

eu sou da lira, não posso negar.

gigi disse...

Fui almoçar agora e me chamaram de 'bem fornida' na rua, Arthur. Eu estou puta.

Vivi disse...

Arthur, parafraseando ou extrapolando suas considerações finais, nada mais avesso à MPB que o rótulo de MPB não é. Gostei principalmente da curiosa informação sobre o cantar baixinho, que torna esse estilo musical tão agradável... E essa manifestação de xenofobia a mineiros no comentário ali de cima?!Bom, pelo menos não fomos comparados a "legítimos estadunidenses", Deus me livre! Tem gente por aí precisando conhecer Belo Horizonte, e ampliar os horizontes também... hehe

Vivi disse...

Humm, que bom agora ter a imagem completa do interlocutor (fotos)...

Diogo Lyra disse...

Arthur, o Lyra e o Menescal jogaram um caô dos brabos quando contaram a lorota do cantar baixinho bossanovaniano. Se esse estilo se difundiu dou-lhe certeza de que nada tem a ver com a reclamação dos vizinhos e sim com a imitação descarada de João Gilberto e seu estilo minimalista (que perdura até hoje).
TOdos esses jovens bunda-moles sugaram o sangue da genialidade do Vinícius, TOm e João Gilberto - letras e notoriedade do Vinícius, maestria lírica do TOm e a famosa batida no violão, bem como o jeito de cantar do João GIlberto a partir do "Chega de SAudade".
Pra mim a bossa nova começa e termina nesses três caras. O resto é tudo pela-saco...

4rthur disse...

Digas, embora eu seja meio avesso a essa idéia radical de "começa e termina", concordo plenamente que João (vulgo Zé Maconha, pra quem não sabe), Tom e Vinícius são a santíssima trindade responsável pelo mito fundador da bossa nova, e foi dali que saíram as maiores pérolas do estilo.

Vivi, acredite ou não, o xenófobo mineiro de quem você falou é na verdade um distinto senhor de Uberlândia, que acredita que a melhor música do estado de Minas foi produzida pelo Sepultura.

Embora isso possa te chocar, concordo integralmente com ele. Pelo menos na fase dos irmãos Cavalera.

Vivi disse...

Não me choca não, você tem legitimidade pra falar disso, ora, tem o "know how" da coisa! Eu me recolho a minha ignorância musical...hahaha, e quanto ao distinto senhor de Uberlândia isso sim me deixou chocada! Vamos assumir nossa mineiridade, sô!

Cascarravias disse...

eu nao tenho nada cointra minas ou mineiridade. pq vc achou que meu comentário foi xenófobo? deixa eu explicar melhor então: nós (sim, eu sou da gloriosa terra que tem pão de queijo de verdade, e a comida em geral é sensacional), então, nós falamos diminutivos em geral com certa naturalidade, é parte indissociável de nosso sotaque, atravessando as diversas variantes que o estado comporta (o sul, o norte, o centro, e mesmo o meu triângulo perdido entre identidades mineira, goiana e paulista).
esses estadunidenses do Garota de Ipanema (só do original, no 9) falam assim pq são chatos, sebosos e pedantes. e pq apesar de gente muito boa (como os camaradas lyra e 4rthur) considera-los brilhantes, eu acho paupérrimos - e juro que não é só por implicancia; o queridinho buarque, por exemplo, eu tb detesto mas sou capaz de reconhecer que domina a língua portuguesa como poucos.

eu adoro minas gerais - mas não pra morar, só pra passar temporadas com os amigos comendo comida boa de verdade a preços mais justos que aqui no rio. e se eu fosse indicar algum lugar de minas pra alguem conhecer, não entrariam na lista nem uberlandia, e nem bh.

Cascarravias disse...

4rthur, a melhor coisa que a banda dos cavalera fez está entre Beneath the Remains e Roots, sendo que eu considero Arise o ponto máximo. mas achei que tu escolheria como melhor sonoridade da minha terra algo tipo Corner Club (sacanagem...)

música mineira atual? Indico o Porcas Borboletas, uma espécie de mistura de Mr Bungle, Itamar Assumpção e Arrigo Barnabé. no youtube tem alguns videos, e sugiro o clip de vernisage, especialmente pra quem gosta do léxico mineiro.

4rthur disse...

Quanto ao Sepultura, Casca, concordo integralmente. Arise é a obra-prima dos caras. Só de falar isso, já ouço a fantástica virada introdutória da bateria do Igor em Subtraction.

Agora, Sepultura sem Max e Igor? Me inclui fora dessa.

Cascarravias disse...

under a pale grey sky WE SHALL ARISE!!!!!!!!!!

sepultura sem max já não prestava; sem igor, deveriam ter anunciado o fim da banda.

Fulano Sicrano disse...

Perfeita a sua colocação: as notas graves rproduzem o tempo do surdo e as agudas fazem as vezes de tamborins. Simples e eu nunca tinha me apercebido disso.
E obrigado pela qualificação que faz ao Um Que Tenha. Abraços.