sexta-feira, maio 04, 2007

Se os homens menstruassem

Sexta-feira, humor melhorando (santa semana de apenas três dias de trabalho!). Resolvi postar um texto, escrito pela feminista Gloria Steinem, que tem como mérito o fato de levantar algumas questões sobre as diferenças entre o universo masculino e feminino, de forma interessante e irreverente. Apesar de ser tão velho quanto eu, este texto continua atual em muitos aspectos, e mostra que a igualdade de gêneros está ainda longe de ser alcançada.




“Se os homens menstruassem”, por Gloria Steinem (1978)


Morar na Índia me fez compreender que a minoria branca do mundo passou séculos nos enganando para que acreditássemos que a pele branca faz uma pessoa superior a outra. Mas na verdade a pele branca só é mais suscetível aos raios ultravioleta e propensa a rugas.


Ler Freud me deixou igualmente cética quanto à inveja do pênis. O poder de dar à luz faz a “inveja do útero” mais lógica e um órgão tão externo e desprotegido como o pênis deixa os homens extremamente vulneráveis.


Mas ao ouvir recentemente uma mulher descrever a chegada inesperada de sua menstruação (uma mancha vermelha se espalhara em seu vestido enquanto ela discutia, inflamada, num palco) eu ainda ranjo os dentes de constrangimento. Isto é, até ela explicar que quando foi informada aos sussurros deste acontecimento óbvio, ela dissera a uma platéia 100% masculina: “Vocês deveriam estar orgulhosos de ter uma mulher menstruada em seu palco. É provavelmente a primeira coisa real que acontece com vocês em muitos anos!”


Risos. Alívio. Ela transformara o negativo em positivo. E de alguma forma sua história se misturou à Índia e a Freud para me fazer compreender finalmente o poder do pensamento positivo. Tudo o que for característico de um grupo “superior” será sempre usado como justificativa para sua superioridade e tudo o que for característico de um grupo “inferior” será usado para justificar suas provações. Homens negros eram recrutados para empregos mal pagos por serem, segundo diziam, mais fortes do que os brancos, enquanto as mulheres eram relegadas a empregos mal pagos por serem mais “fracas’. Como disse o garotinho quando lhe perguntaram se ele gostaria de ser advogado quando crescesse, como a mãe, “Que nada, isso é trabalho de mulher.” A lógica nada tem a ver com a opressão.


Então, o que aconteceria se, de repente, como num passe de mágica, os homens menstruassem e as mulheres não?


Claramente, a menstruação se tornaria motivo de inveja, de gabações, um evento tipicamente masculino:


Os homens se gabariam da duração e do volume.


Os rapazes se refeririam a ela como o invejadíssimo marco do início da masculinidade. Presentes, cerimônias religiosas, jantares familiares e festinhas de rapazes marcariam o dia.


Para evitar uma perda mensal de produtividade entre os poderosos, o Congresso fundaria o Instituto Nacional da Dismenorréia. Os médicos pesquisariam muito pouco a respeito dos males do coração, contra os quais os homens estariam, hormonalmente, protegidose muito a respeito das cólicas menstruais.


Absorventes íntimos seriam subsidiados pelo governo federal e teriam sua distribuição gratuita. E, é claro, muitos homens pagariam mais caro pelo prestígio de marcas como Tampões Paul Newman, Absorventes Mohammad Ali, John Wayne Absorventes Super e Miniabsorventes e Suportes Atléticos Joe Namath — “Para aqueles dias de fluxo leve”.



As estatísticas mostrariam que o desempenho masculino nos esportes melhora durante a menstruação, período no qual conquistam um maior número de medalhas olímpicas.


Generais, direitistas, políticos e fundamentalistas religiosos citariam a menstruação (”men-struação”, de homem em inglês) como prova de que só mesmo os homens poderiam servir a Deus e à nação nos campos de batalha (”Você precisa dar seu sangue para tirar sangue”), ocupariam os mais altos cargos (”Como é que as mulheres podem ser ferozes o bastante sem um ciclo mensal regido pelo planeta Marte?”), ser padres, pastores, o Próprio Deus (”Ele nos deu este sangue pelos nossos pecados”), ou rabinos (”Como não possuem uma purgação mensal para as suas impurezas, as mulheres não são limpas”).


Liberais do sexo masculino insistiriam em que as mulheres são seres iguais, apenas diferentes. Diriam também que qualquer mulher poderia se juntar à sua luta, contanto que reconhecesse a supremacia dos direitos menstruais ("O resto não passa de uma questão”) ou então teria de ferir-se seriamente uma vez por mês ("Você precisa dar seu sangue pela revolução”).


O povo da malandragem inventaria novas gírias ("Aquele ali é de usar três absorventes de cada vez”) e se cumprimentariam, com toda a malandragem, pelas esquinas dizendo coisas tais como:


— Cara, tu tá bonito pacas!
— É cara, tô de chico!



Programas de televisão discutiriam abertamente o assunto. (No seriado Happy Days: Richie e Potsie tentam convencer Fonzie de que ele ainda é “The Fonz”, embora tenha pulado duas menstruações seguidas. Hill Street Blues: o distrito policial inteiro entra no mesmo ciclo.) Assim como os jornais, (TERROR DO VERÃO: TUBARÕES AMEAÇAM HOMENS MENSTRUADOS. JUIZ CITA MENSTRUAÇÃO EM PERDÃO A ESTUPRADOR.) E os filmes fariam o mesmo (Newman e Redford em Irmãos de Sangue).


Os homens convenceriam as mulheres de que o sexo é mais prazeroso “naqueles dias”. Diriam que as lésbicas têm medo de sangue e, portanto, da própria vida, embora elas precisassem mesmo era de um bom homem menstruado.


As faculdades de medicina limitariam o ingresso de mulheres (”elas podem desmaiar ao verem sangue”).


É claro que os intelectuais criariam os argumentos mais morais e mais lógicos. Sem aquele dom biológico para medir os ciclos da lua e dos planetas, como pode uma mulher dominar qualquer disciplina que exigisse uma maior noção de tempo, de espaço e da matemática,ou mesmo a habilidade de medir o que quer que fosse? Na filosofia e na religião, como pode uma mulher compensar o fato de estar desconectada do ritmo do universo? Ou mesmo, como pode compensar a falta de uma morte simbólica e da ressurreição todo mês?


A menopausa seria celebrada como um acontecimento positivo, o símbolo de que os homens já haviam acumulado uma quantidade suficiente de sabedoria cíclica para não precisar mais da menstruação.


Os liberais do sexo masculino de todas as áreas seriam gentis com as mulheres. O fato “desses seres” não possuírem o dom de medir a vida, os liberais explicariam, já é em si castigo bastante.


E como será que as mulheres seriam treinadas para reagir?


Podemos imaginar uma mulher da direita concordando com todos os argumentos com um masoquismo valente e sorridente. (A Emenda de Igualdade de Direitos forçaria as donas de casa a se ferirem todos os meses : Phyllis Schlafy. “O sangue de seu marido é tão sagrado quanto o de Jesus e, portanto, sexy também!”: Marabel Morgan.) Reformistas e Abelhas Rainhas ajustariam suas vidas em torno dos homens que as rodeariam. As feministas explicariam incansavelmente que os homens também precisam ser libertados da falsa impressão da agressividade marciana, assim como as mulheres teriam de escapar às amarras da “inveja menstrual”. As feministas radicais diriam ainda que a opressão das que não menstruam é o padrão para todas as outras opressões. (”Os vampiros foram os primeiros a lutar pela nossa liberdade!”) As feministas culturais exaltariam as imagens femininas, sem sangue, na arte e na literatura. As feministas socialistas insistiriam em que, uma vez que o capitalismo e o imperialismo fossem derrubados, as mulheres também mens-truariam. (“Se as mulheres não menstruam hoje, na Rússia”, explicariam, “é apenas porque o verdadeiro socialismo não pode existir rodeado pelo capitalismo”).


Em suma, nós descobriríamos, como já deveríamos ter adivinhado, que a lógica está nos olhos do lógico. (Por exemplo, aqui está uma idéia para os teóricos e lógicos: se é verdade que as mulheres se tornam menos racionais e mais emocionais no início do ciclo menstrual, quando o nível de hormônios femininos está mais baixo do que nunca, então por que não seria lógico afirmar que em tais dias as mulheres comportam-se mais como os homens se portam o mês inteiro? Eu deixo outros improvisos a seu cargo.*


A verdade é que, se os homens menstruassem, as justificativas do poder simplesmente se estenderiam, sem parar.


Se permitíssemos.





* Meus agradecimentos [da autora] a Stan Pottinger pelos muitos improvisos incluídos neste texto.






FONTE: STEINEM, Gloria. Memórias da Transgressão: momentos da história da mulher no século XX. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos, 1997. p. 416-419.

20 comentários:

Anônimo disse...

Ah, tá bom... essa mulé precisa mesmo é de piroca!

MM disse...

hhahaaha, adorei. Valeu ter passado por lá no caralhaquatro. abração

Diogo Lyra disse...

Não partilho de todo da insulflada opinião do Bom e Velho Heterossexual Masculino, afinal, sou um rapaz pra casar e não foi de bob que, de fato, casei com a magnífica e estonteante Sr. Lyra...
Mas lendo o texto refleti, cá com meus botões, que o processo criativo da autora deve ter ocorrido justamente no período pré-menstrual, cercada de tensão e paranóias.
Sim, se menstruássemos tiraríamos onda com o volume de nosso fluxo e o tamanho do absorvente. Mas já fazemos isso com o pau e, como ela mesma disse, não sente inveja alguma da verga masculina. Logo, urge esclarecer, o problema não é falta de"piroca", como nosso prosaico amigo sugeriu, mas falta de criatividade...

4rthur disse...

concordo, Dig. E acho legal perceber que você e o Bom e Velho possuem opiniões divergentes.

Afinal, dificilmente ele entenderia e/ou aceitaria o seu feliz casamento com o Sr. Lyra.

Diogo Lyra disse...

É que somos um casal tão visceral que quase já não vejo diferença entre eu e a Sra. Lyra - a não ser quando estou puto e, aí sim, a chamo de Ligia...
Fora isso a gente se chama comumente de "tititi" (o "i" é grave - e nós, bem, somos tatibitati assumidos e felizes).

Anônimo disse...

"Tititi", hum...

Diogo Lyra disse...

Esse cara é mesmo um insensível!

4rthur disse...

E rápido, né?

VanOr disse...

Minha criatividade fica limitada pelo vício da fisiologia. Sorry, mas pra imaginar homens menstruando, eu preciso imaginá-los grávidos, amamentando, tendo depressão pós-parto, TPM, chorando porque não conseguem abrir uma merda dum frasco de palmito (a falta que a testosterona não faz!), enfim: é fisiologicamente impossível tirar a menstruação de um e passar pro outro sem o pacote completo. Nenhum homem que eu conheça daria conta do pacote completo sem virar uma típica mulherzinha, ou seja: uma bicha afetadinha.

Ser mulher, resumindo muito, não é nada tão fácil que possa ser feito assim, por um homem!

E o bom e velho que me desculpe, mas o que menos falta nesse mundo é piroca, graças a machos de verdade que nem você, que podem estar com suas pirocas ultra-potentes e super-fuderosas em todos os lugares ao mesmo tempo, à imagem e semelhança do Pirocudo que os moldou do barro, mas esqueceu de dar um acabamento limpinho.

gigi disse...

morro de nojo dessas fotos que vc escolhe.

4rthur disse...

Ô Gigi, foi mal, até pensei nisso dessa vez, mas o tema era menstruação, fazer o quê?

4rthur disse...

...E a primeira foto era normalzinha, eu que dei o "toque final" no paintbrush pra ficar condizente com o texto.

Samantha Abreu disse...

Ufa!
amei o texto.
Não sou nada feminista. Pra ser sincera, às vezes, acho que sou a mais machista das mulheres.
por muitos motivos.

mas esse texto me deixou boquiaberta! não só pela situação, como pelos argumentos.
Amei! e pagaria pra ver um homem usando o tal de "modess"
ahahahahahahaaa

Unknown disse...

Amei! :P

blah disse...

Bom texto!
Mas falando em feministas, etc, tou achando uma chatisse esse negócio de ficar escrevendo tod@as ou todos/todas, etc, quando pode não haver mal nenhum em se generalizar usando o gênero masculino.

Que as feministas defendam os direitos das mulheres, beleza, eu mesmo sou super a favor dos direitos das mulheres (não fui à passeata do 8 de março à toa). Mas mudar a língua já é demais... Dá muito trabalho essa re-educação... E por uma causa que acho não tão válida. Só porque vc usa a generalização no gênero masculino não significa que vc esteja sendo um porco chauvinista...

O machismo está nas atitudes do dia a dia e não no uso da língua, que é patriarcal por motivos históricos.

blah disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
blah disse...

Um professor de português me falou que o grande problema é que brasileiro confunde gênero com sexo. Não é a língua que é preconceituosa, são atitudes como dizer que "Homem senta NA poltrona e mulher senta NO sofá"... São atitudes machistas mudar o gênero da palavra (a) personagem para comum de dois (como em o/a estudante) só porque o ator que interpreta a personagem não se garante na sua masculinidade, ou o leitor menos culto não entende que toda palavra terminada no sufixo "agem" é do gênero feminino (assim como a garagem, a viagem, a sacanagem).
Gênero é uma coisa da língua, que não tem tanto a ver com sexo assim.
Mas vale respeitar as mulheres na praxis diária do que mudar uma língua bela como o português por causa de uma bobeira dessas, um erro de interpretação, uma confusão entre gênero (que é uma questão linguística) e sexo (que é uma questão concreta).

Abraços equilibrados (nem machista nem feminista)

Madame S. disse...

AHiahAOahiaHOAhiahOa
MUITO BOM!!!!

acrescentaria: "homens que tivessem pouco fluxo compensariam comprando carros de luxo"

Anônimo disse...

Poxa, comecei a ler e pensei que o texto seria melhor elaborado. Essa escritora pirou demais.

De qualquer forma o seu blog é muito legal. Abrc!

Diego disse...

Excelente...ri pacas...aproveitando para divulgar o meu blog

http://devaneionosso.blogspot.com/

abraços