Amanhã viajo para o Recife, por ocasião do XIII Congresso Brasileiro de Sociologia – o que provavelmente me deixará ausente do blog até semana que vem. Como o tema (citado no título) tem grande proximidade com as coisas que geralmente discuto aqui, resolvi esplaná-lo de maneira breve, pra que o astuto leitor, se assim desejar, possa dar sua opinião. O texto, na íntegra, deverá ser publicado na página do Congresso.
A opção pelo tema é resultado de uma observação e de um desconforto. A observação é a de que o funk se encontra cada vez mais presente nos redutos das classes médias e altas, como boates localizadas nas áreas nobres da cidade, happy hours do centro da cidade, eventos que ocorrem nas grandes casas de show (como o baile Skol que está sendo anunciado), chopadas de faculdades e academias de ginástica.
O desconforto vem do fato de que alguns estudiosos do tema estão apressando-se em enaltecer o funk como elemento de integração. Ou seja: a partir do momento em que a classe média começa a consumir o funk, ele deixaria de ser um “símbolo de estigma” para tornar-se um “símbolo de prestígio” (categorias usadas por Goffman).
Só para citar um dos exemplos mais exaltados, a autora Jane Souto, no livro Galeras Cariocas (organizado pelo antropólogo Hermano Vianna), afirma que movimentos como o funk “rompem fronteiras de classe e de cor”, defendendo que, nos bailes funk, “com jovens de classe média, partilha-se da mesma dança, do mesmo som, de um mesmo repertório de gírias, de uma mesma emoção, de um mesmo habitus social”.
Uma visão lúdica, poética até, mas distante da realidade. O que move este tipo de opinião apressada é o fato de que o funk, que é “som de preto, de favelado” (como cantam Amilcka e Chocolate), está sendo ouvido pela playboyzada. E será que isso garante algum tipo de integração, ou pelo menos um recrudescimento das distâncias sociais? Será que isso aproxima “morro” e “asfalto”? Creio que não.
Alguns artigos relevantes já foram escritos sobre o consumo e apropriação de repertórios musicais do Nordeste por segmentos da classe média carioca. Cássio Soares, ex-colega de classe, no artigo Uma pequena burguesia Folk? Ou do papel da cultura popular no imaginário urbano juvenil de classe média carioca, e Claudia Rezende, em Os limites da sociabilidade: “cariocas” e “nordestinos” na Feira de São Cristóvão, revelam que a cultura do outro, quando apropriada por estes grupos, tende a ser ressignificada e reformatada para ser consumida apropriadamente. E será que não é isso que ocorre com o funk também?
Vamos aos fatos. Tive poucas oportunidades de realizar trabalho de campo até agora (pretendo continuar com minha pesquisa quando voltar do Congresso), mas alguns dados preliminares colhidos em entrevista já são bastante reveladores. As opiniões citadas abaixo referem-se a conversas que tive com alguns jovens, de 19 a 23 anos, na porta de um evento exclusivo de música funk um uma casa de espetáculos no centro do Rio, cujo preço da entrada (40 reais, 20 pra estudante) e o das bebidas (3 reais o refrigerante e 4 o copo plástico de cerveja) já dá uma dica de quais segmentos socioeconômicos estamos falando.
Primeira observação: os bailes de comunidade não são freqüentados pelos jovens entrevistados. Apenas uma jovem, de 23 anos, afirmou ter ido a mais de um baile dentro de uma favela, quando era menor – coisa que já não faz mais. Uma das outras entrevistadas, de 18 anos, justifica:
“lá [na favela] os riscos são muito maiores de qualquer outro lugar, assim, que a gente tá acostumado a ir, sabe, em uma noite, você ir, pode acontecer milhões de coisas, sabe? Também pode acontecer, vamos supor, aqui, mas o risco é bem menor”.
O receio quanto à insegurança nas favelas, relacionado à presença de traficantes de drogas armados nestes espaços, acaba por interferir na visão dos entrevistados em relação a toda a população local. Isto fica claro quando uma das jovens, de 17 anos, diz que “teria medo” de relacionar-se afetivamente com um morador de comunidade pobre. Outra entrevistada, de 18 anos, revela que “se vier uma pessoa da comunidade pra cá hoje e tal, pra ‘ficar’, tranqüilo, mas, assim, pra namorar eu já não sei”. A jovem de 23 anos, por sua vez, é taxativa: não “ficaria” com alguém da favela, pois “são feios e mal arrumados”.
Outra coisa que pude observar é que a identificação dos entrevistados com o funk é muito mais relacionada à “batida” e ao “som” do que propriamente às letras das músicas e ao estilo. Com exceção de um rapaz entrevistado, todos afirmaram não se identificar com o rótulo de “funkeiros”. Quando perguntados sobre o que seria o “estilo funkeiro”, uma jovem responde:
"pode existir aquele negócio ‘tchutchuca’, aquele negócio que, tipo assim, eu acho horrível, entendeu, porque, tipo assim, é aquele tipo de mulher que dança e não se importa com a letra, que a gente fala assim, ‘pô!’, bota a roupa realmente pra se vulgarizar, sabe, o que não é o nosso caso, sabe, a gente vai pro funk mas nunca vai botar um shortinho e tal" (grifos meus).
Ou seja: a ampla utilização de atributos pejorativos para a descrição do baile de comunidade (perigoso), “homem da favela” (perigoso, feio, mal-arrumado) e “mulher funkeira” (vulgar), além da necessidade de afirmação do distanciamento do que seria o “estilo funkeiro”, impedem que se veja algum tipo de potencial integrador no consumo de funk pelas classes médias e altas. Ao contrário, as opiniões emitidas pelos jovens entrevistados parecem, antes, reforçar a utilização do campo cultural como espaço simbólico de reafirmação das distâncias sociais.
O receio quanto à insegurança nas favelas, relacionado à presença de traficantes de drogas armados nestes espaços, acaba por interferir na visão dos entrevistados em relação a toda a população local. Isto fica claro quando uma das jovens, de 17 anos, diz que “teria medo” de relacionar-se afetivamente com um morador de comunidade pobre. Outra entrevistada, de 18 anos, revela que “se vier uma pessoa da comunidade pra cá hoje e tal, pra ‘ficar’, tranqüilo, mas, assim, pra namorar eu já não sei”. A jovem de 23 anos, por sua vez, é taxativa: não “ficaria” com alguém da favela, pois “são feios e mal arrumados”.
Outra coisa que pude observar é que a identificação dos entrevistados com o funk é muito mais relacionada à “batida” e ao “som” do que propriamente às letras das músicas e ao estilo. Com exceção de um rapaz entrevistado, todos afirmaram não se identificar com o rótulo de “funkeiros”. Quando perguntados sobre o que seria o “estilo funkeiro”, uma jovem responde:
"pode existir aquele negócio ‘tchutchuca’, aquele negócio que, tipo assim, eu acho horrível, entendeu, porque, tipo assim, é aquele tipo de mulher que dança e não se importa com a letra, que a gente fala assim, ‘pô!’, bota a roupa realmente pra se vulgarizar, sabe, o que não é o nosso caso, sabe, a gente vai pro funk mas nunca vai botar um shortinho e tal" (grifos meus).
Ou seja: a ampla utilização de atributos pejorativos para a descrição do baile de comunidade (perigoso), “homem da favela” (perigoso, feio, mal-arrumado) e “mulher funkeira” (vulgar), além da necessidade de afirmação do distanciamento do que seria o “estilo funkeiro”, impedem que se veja algum tipo de potencial integrador no consumo de funk pelas classes médias e altas. Ao contrário, as opiniões emitidas pelos jovens entrevistados parecem, antes, reforçar a utilização do campo cultural como espaço simbólico de reafirmação das distâncias sociais.