terça-feira, abril 17, 2007

Os livros com os quais andei

Desde a mais tenra idade, sempre fui um moleque obsessivo. Tendo desenvolvido o hábito da leitura desde cedo (o que agradeço a meus pais e ao Colégio de Aplicação), caso eu simpatizasse com o estilo de algum escritor, passava imediatamente a devorar toda a sua obra. Comecei pelos que existiam na casa do meu pai, em sua maioria best-sellers: li uns dez livros de Sidney Sheldon, até cansar daquele estilo e partir pra Agatha Christie, de quem li mais uns quinze títulos. Depois foi a vez de Stephen King, mastigando quase tudo que este autor havia produzido na época.


Fazendo esta digressão pelo meu passado, aliás, vi que passei boa parte de minha infância e pré-adolescência lendo livros gringos de suspense. Os títulos brasileiros acabaram tendo pouco espaço nas minhas prateleiras, débito este que pretendo corrigir nos longos anos que me aguardam.


Mas voltando ao assunto, depois de um longo período compulsivo fui finalmente apresentado a Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez, cujo estilo literário me era completamente estranho e pelo qual fiquei fascinado. E daquele momento em diante, minha obsessão passou a ser não propriamente um autor, mas sim um estilo específico, conhecido como realismo mágico (ou realismo fantástico), que encontrou na América Latina o seu mais profícuo terreno.

Em muitos livros deste estilo, os autores recorrem a narrativas fantásticas para contar histórias verdadeiras de lutas dos povos oprimidos, como o extermínio de trabalhadores grevistas na Colômbia em Cem Anos ou a revolta camponesa no Peru contra uma empresa mineradora norteamericana em Bom-dia para os Defuntos (livro que, aliás, já foi muito bem recomendado no quintal do camarada Diogo Lyra).


O segredo do realismo mágico reside, segundo o português João de Melo, na descoberta de uma prática ficcional “simples e simultaneamente deslumbrada, recorrendo aos grandes temas sociais, sem dúvida, mas envolvendo as realidades descritas numa auréola de sonhos, crenças e rituais lendários que bem podem estar na origem de uma nova mitologia literária.” Nada que pudesse satisfazer com mais propriedade meus anseios literários.


De fato, não é difícil aproximar a mitologia grega clássica do realismo mágico. Além da aura de fábula, da naturalização do fantástico e da presença do elemento sensorial como parte da percepção da realidade, também podemos encontrar em ambos os estilos uma representação cíclica do tempo, onde presente e passado se visitam e se misturam sem respeitar uma linearidade.


Isso me remete à história deus grego Prometeu, que enfureceu Zeus por levar o fogo à humanidade e, como castigo, foi amarrado ao Monte Cáucaso, onde todos os dias uma águia monstruosa devorava parte do seu fígado – que voltava a crescer e era devorado no dia seguinte, todos os dias, por um período de cerca de 12 gerações. E o que dizer do cavalo de Pedro Páramo (primoroso livro de Juan Rulfo), que continuava a cavalgar todas as noites até a casa da amada de seu dono – mesmo depois deste ter morrido?


Estou seguro (expressão típica da língua espanhola) que até hoje nenhum estilo literário me foi tão instigante quanto o tal realismo mágico – tanto que já reli maioria dos livros que tenho. Assim, àqueles que não tiveram a oportunidade de se maravilhar com a fantasia latino-americana, deixo uma lista contendo alguns destes títulos, para que possam fazê-lo no futuro (ou no passado, já que nestas histórias o tempo é relativo):


De Gabriel García Márquez: Amor nos Tempos do Cólera, uma fantástica história de amor; Memórias de Minhas Putas Tristes, o mais recente, curto e lírico, ideal pra os neófitos que desejam se iniciar na leitura; e Cem Anos de Solidão, hors concours, que emplacou inclusive o prêmio Nobel de literatura de 1982.


De Juan Rulfo: Pedro Páramo e Planalto em Chamas. São os dois únicos livros que o autor escreveu, e desde então vastamente estudados nas universidades desde que foram publicados, nos anos 50 - tendo influenciado García Márquez e vários outros autores. Neste ano ganharam nova tradução em edição recente, sendo o Planalto rebatizado de Chão em Chamas.


De Manuel Scorza: Bom-dia para os Defuntos revela uma primorosa escrita do autor, e uma tragédia vivida pelo povo peruano nas mãos da Cerro de Pasco Corporation.


De Júlio Cortazar não li nada, infelizmente, mas já me recomendaram O Bestiário.


De Manuel Vargas Llosa: não sei se caberia chamar de realismo mágico, mas que se dane: Pantaleão e as Visitadoras brinca com os procedimentos e burocracias militares e é o livro mais divertido que já li.





13 comentários:

Eduardo Goldenberg disse...

Arthur: eu sou pior que você em matéria de obsessão, já lhe disse isso uma vez, nem queira disputar - ainda que brincando - quem é pior (ou melhor, depende do ponto de vista!) no troço.

Razão pela qual venho apregoar: compre "A MÃO ESQUERDA", do monstruoso Fausto Wolff, o maior e melhor livro que já li na vida e que algum filhodaputa de merda me roubou, já que pra mim é fácil saber que fui vítima de uma mão grande (a esquerda ou não): eu não emprestou livros nem à base de porrada.

Infelizmente está esgotado, segundo insuspeitadas declarações dos dois maiores livreiros da cidade, Daniela e Rodrigo, da monumental Folha Seca.

Mas vale sebo. Vale camelô. Vale pedir emprestado pra alguém que não seja tão doidói quanto eu. Só não vale roubar, evidentemente.

Beijo.

Diogo Lyra disse...

Confesso que a única coisa pela qual possuo o bom e velho fetiche da mercadoria é o livro, sobretudo aqueles de literatura latinoamericana. Assim, aí vai minha módica contribuição...
Bom, a única coisa da qual discordo é a indicação de "Memórias de minhas putas tristes". Particularmente eu não gostei desse e indicaria "Do amor e outros demônios".
Lembrando que a saga narrada pelo Manuel Scorza é composta, na verdade, de mais 3 livros: "Agaplito Robles" (não lembro direito); "Garambono, o invisível"; "O cavaleiro insone".
Também acho que fica difícil enquadrar o Vargas Llosa como realismo fantástico, mas é um grande autor latinoamericano e foda-se. De suas obras, o grande clássico é "Conversas na Catedral", mas eu indicaria também "A Guerra do Fim do Mundo" - sobre Canudos.
Ah, quanto ao Cortázar, bem, tem também, dos bons, "Todos os fogos o fogo" e o clássico "Octaedro", ambos excelentes.
Dessa galera eu acho que faltou apenas o Borges, mas já foi mais que suficiente!!!!
Show de bola!

4rthur disse...

Do Borges só sobrou a foto no final...

blah disse...

Nunca li nada de literatura latino-americana, fora os brasileiros obrigatórios da época de colégio, alguns lidos muito a contra-gosto...

Mas também não sou um exemplo de literato... Da gringolândia, li muito foi ficção científica, que apesar de estar mais pra fantasia do que pra realismo, não deixa de ser mágico ou fantástico...

Bem, mas valeu as dicas, grande Arthur... Tenho um Gabriel Garcia Marquez aqui comigo, mas, como raramente me empolgo para ler uma ficção, ainda não o peguei...

Se bem que os dois livros de "ficção" que estão no topo da minha lista são o Fausto de Goethe e a Divina Comédia de Dante Alighiere... É, pode me chamar de louco, mas quase todos os livros que eu leio tem algum motivo científico ou religioso por trás da escolha...

Abraços calorosos

Anônimo disse...

"A Dança imóvel", do Scorza, é o livro da minha vida.

Diogo Lyra disse...

Eu tenho, mas ainda não li. Fiquei com medo de ler e achar uma merda depois da saga da Cerro del PAsco Corporation...

* Helga, a única erudita que veste (bem) uma calça da Gang e não se contradiz.

MOVIMENTO EU QUERO A HELGA NO PAN!!

Cascarravias disse...

dig, posso te corrigir? a saga do scorza é na verdade uma 'pentalogia', e faltou nos que vc listou o último, a tumba do relampago. foi você quem me apontou a existência deste autor. hj considero bom dia para os defuntos (redoble por rancas) uma obra prima inigualável.

Anônimo disse...

por falar nisso tudo, foi vc que roubou meu 'do amor e outros demônios'? sumiu.

Diogo Lyra disse...

Sabia que tava dando algum pala com o Scorza (sorte que o 4rthur linkou minha humilde resenha sobre o autor em questão, oportunidade em que acertei devidamente os nomes e números!!!! ).
Gigi, é comigo?! Este livro já me afanaram também e faz tempo. É possível que meu exemplar esteja com o Burguês...

4rthur disse...

Nunca li o Do Amor..., nem sei qual é a capa. Mas se vocês dois tiveram o mesmo livro surrupiado, arrisco um palpite de que há qualquer coisa de fantástico por trás desta história.

Diogo Lyra disse...

Fantástico? Sim... é como já diz o título "do amor e outros demônios"!
Raios!

gigi disse...

A capa é roxinha, Arthur, não se faça de desentendido! Aposto um pacote de jujubas que vc afanou o do Diogo. O meu deve estar na casa do amor que se tornou um dêmonio, junto com 10% dos meus haveres.

Nana disse...

Já leu "Incidente em Antares" do Erico Veríssimo? Acho que se encaixa no realismo mágico e é excelente!