Durante o meu convívio com o americano em questão (trabalhamos juntos por cerca de três anos, dando aulas de inglês), percebi o quanto o cara sofria simplesmente por ser americano. Volta e meia, pessoas – inclusive alunos seus – lhe botavam o dedo na cara, culpando-o por todos os atos nefastos dos governos estadunidenses, de Lincoln a Bush. Meu próprio amigo de Uberlândia comenta, nessa batalha virtual, que “se vem de qualquer lugar ao norte de Tijuana, já nasce culpado por 80% dos problemas do mundo”.
Não obstante, sempre achei que este gringo diferia dos outros que eu havia conhecido, porque tinha uma opinião crítica em relação às atrocidades cometidas pelos governos do seu país, se colocando contra Bush, Blair, direitistas, esquerdistas, até mesmo Israel! E por isso eu procurava defender seus pontos de vista, sempre que achasse isso viável.
Isso até o ponto em que algumas questões culturais começaram a pipocar na tal peleja. Do alto da sua arrogância – meu camarada ianque pode ser gente boa, mas é, como talvez TODOS os americanos, arrogante – esse gringo sobre quem falo começou a distribuir “sugestões” aos brasileiros em geral – entre elas, a de pararmos de comer farofa em nossos churrascos e começarmos a jogar baseball, por exemplo, ao invés de esportes “de garotas”, como o futebol.
Se você é brasileiro, deve estar, no mínimo, boquiaberto. Se você é gringo, não deve estar compreendendo o que se passa aqui. E é aí que entra a questão daquilo que os antropólogos mais lúcidos chamam de “relativismo cultural”, algo que vai contra o etnocentrismo, ou seja, a tendência que cada indivíduo possui de considerar a sua cultura melhor que a de outrem.
Não pude, obviamente, ficar calado após essas “sugestões” do “americano tranqüilo”. Porque assim como todos os povos e sociedades, nós (ou a maioria de nós) acreditamos que nossos esportes são melhores, nossa música é melhor, nossas mulheres são melhores (tá, essa última é golpe baixo, até os americanos admitem que as nossas mulheres são, de fato, melhores). Mas dificilmente nos vestimos com tanta petulância e prepotência para impor nossos parâmetros culturais a pessoas dotadas de outros padrões, subjugando-as com tanta “tranqüilidade” – se vocês ainda não leram os comentários, façam isso e digam se estou exagerando ou não!
Mesmo assim, sigo defendendo a tolerância no trato com as diferenças culturais. É importante que a gente se rebele, até como exercício identitário, nos negando a absorver determinados “antropofagismos culturais” que só vêm para matizar e dizimar aquilo que consideramos nossas raízes culturais (taí mais um daqueles temas espinhosos, “raízes”...). Não precisamos adaptar-nos a outros padrões culturais, mas creio que é importante saber respeitá-los, mesmo que isso seja tão difícil quando, por exemplo, trata-se da cultura americana. Intolerâncias de qualquer tipo não costumam ter resultados práticos muito positivos, como vemos em vários cantos do mundo – o que não significa que devemos abaixar a cabeça ou dar um sorriso amarelo para os que tentam menosprezar nossos valores e dar-nos lições de como nos comportar.
Afinal, repetindo as sábias palavras do Senhor Lyra, “numa coisa todo mundo é igual: todo mundo é diferente”.