terça-feira, fevereiro 27, 2007

Buena Vista, malo gobierno

Quase todo mundo viu e muita gente se emocionou com o documentário Buena Vista Social Club (1999), principalmente nas cenas que mostram a apresentação daqueles senhores cubanos, hoje já quase todos mortos, no suntuoso palco do novaiorquino Carnegie Hall. Segundo a enciclopédia virtual Wikipedia, esse show “transformou a vida dessas pessoas”.


E também transformou a vida de um americano: Ry Cooder, músico e produtor que viajou a Havana em 1996 para reunir os músicos em questão, entre eles Ibrahim Ferrer, Compay Segundo, Omara Portuondo, Eliades Ochoa e Rubén Gonzáles.

Porém, a vida de Cooder não mudou por causa do prêmio Grammy que recebeu, graças ao seu trabalho no disco Buena Vista Social Club, e sim pela multa de 25 mil dólares que levou do governo dos Estados Unidos, por ter gravado o disco com os cubanos sem a autorização governamental necessária.

Cooder não se intimidou; pagou a multa e manteve sua parceria com os cubanos. Até que, em 2003, tomou a porrada fatal, conforme informou a Folha de São Paulo de 22 de março desse ano:



"Após ser multado esta semana em US$ 100 mil por tocar nos discos de dois artistas cubanos -Manuel Galban e Ibrahim Ferrer-, o guitarrista Ry Cooder (que havia participado do filme-projeto "Buena Vista Social Club") disse anteontem que "provavelmente nunca mais poderá colaborar" com músicos daquele país. O governo dos EUA multou Cooder com base na norma Trading with the Enemy Act, que proíbe relações comerciais de cidadãos norte-americanos com Cuba, sob embargo desde 1962".





Ry Cooder fez um trabalho de incomensurável valor para a música e para a cultura cubana, mas é americano e pagou caro por isso. Se tivesse perguntado a opinião do diretor do Buena Vista, um conhecido alemão, teria certamente ouvido de volta:







Win Wenders e Aprendenders!

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Sobre a privacidade

Neste ano passei a metade do carnaval no Rio (até domingo) e a outra metade em Pernambuco, entre Recife e Olinda. Poderia dissertar, por longos parágrafos, a respeito dos contrastes entre ambos os estados, ressaltar seus pontos positivos e enaltecer, enfim, a festa do aval da carne, conforme é concebida nesses pólos culturais diversos. O assunto, todavia, será de outra natureza.

Durante os dias de festa – excetuando-se aqueles blocos em que os foliões são agraciados com jatos d’água em quantidade industrial – levei minha digi-cam para clicar os momentos mais cool das baladas. Enchi, propositalmente, esta última frase de expressões bestas pra levantar o ponto em questão: assim como eu, centenas de foliões empunharam seus aparatos eletrônicos – gravadores, mp3 players, celulares e câmeras – para digitalizar a bagunça. Em meio a tantos cliques, não foi difícil ouvir reclamações de pessoas que sentiam ter a privacidade vilipendiada pelos paparazzi que hoje se multiplicam na multidão festeira, especialmente naqueles blocos onde o consumo de substâncias ilícitas é via de regra.

Essa queixa junta-se às dos que buscam emprego e evitam participar de certas comunidades no orkut porque temem o crivo severo de alguns nazi-departamentos de RH. Sinal dos tempos: o espaço privado encontra-se cada vez mais enclausurado, tendo como um dos últimos refúgios a própria mente do indivíduo – até, claro, a ciência nos brindar com algum processo de leitura de pensamentos, que sirva de pré-requisito para cargos em grandes nazi-empresas.

A multiplicação e facilidade de uso dos equipamentos eletrônicos de gravação de som e imagem uniu-se matrimonialmente aos elevados índices de insegurança, gerando como fruto o fim da privacidade que, no entanto, aparece travestido de benesse social. “Não fornicarás no elevador” é o primeiro mandamento de quem tem a camerazinha apontada para si. Ou como diria BNegão: "Sorria! Você está com o filme queimado!"

Entretanto, ao invés de debatermos esta questão seriamente, parecemos exaltar a explosão e o crescimento fermentado do espaço público, nos tornando, como eu, como você e como quase todo mundo, blogueiros, orkuteiros e espectadores do Big Brother, escancarando na rede tudo aquilo que um dia fora de foro íntimo e nos sentindo impelidos à bisbilhotice da vida alheia.

Com tudo isso em mente, dessa vez resolvi guardar as dezenas de fotos que tirei nesses últimos dias de folia para mim e meus amigos, evitando a exposição demasiada – atitude que minha bonita com certeza aprovará. Mas afirmo que não tenho uma opinião unilateral sobre o assunto; só levanto a bola para, mais uma vez, provocar o amigo e incansável internauta a refletir sobre o tópico e botar a mão na cuíca.








Se você é exceção e não leu, corra atrás de 1984, de George Orwell. E aproveita e vá ler também Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley. Dois livros escritos na primeira metade do século XX que narram um futuro desprovido de espaço privado. A diferença: em Orwell, o governo impõe esta perda de privacidade; já em Huxley, é a própria sociedade que a deseja.

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

tirinha

Fudeu! O Dahmer iniciou uma série impagável, chamada Pequeno Mundo Blogueiro.
Pra quem não conhece o trabalho do cara, dá só uma sacada no teor da tirinha:



Garanto que deu até pra ouvir a voz do Faustão no último quadrinho.

Quem quiser ver mais pode clicar aqui.

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Sobre a indústria fonográfica

Na semana passada fui a Recife participar da Feira Música Brasil, um evento que agrega rodadas de negócios – voltadas principalmente para músicos e selos independentes – e conferências, além, é claro, de shows – sexta passada, dia 9 de FRevereiro, além do aniversário de minha irmã mais nova, foi também o dia de comemoração dos 100 anos do frevo.

Mas o que eu quero mesmo é dividir com o leitor alguns dos dados e análises que os conferencistas explanaram acerca da situação da indústria fonográfica. Os que são do ramo, e creio que até os mais desavisados, sabem que a indústria fonográfica passa por profundas transformações, majoritariamente impulsionadas pelos avanços tecnológicos que, mediante a pirataria e o compartilhamento desenfreado de músicas e vídeos na internet, derrubou criticamente os índices de venda, alterando peremptoriamente a forma de atuação das grandes gravadoras – que no Brasil são quatro, cinco se contarmos com a Som Livre, que juntas detêm mais de 90% do nosso mercado de discos.

Fico a imaginar altos executivos de Warners, Sonys, Universais e EMIs da vida, batendo com a cabeça na parede na tentativa de arrumar uma maneira de manter seus índices lucrativos em alta, pra que tenham condições de manter suas picapes 4x4 de cabine dupla – além dos hábitos adictos que por ventura possam ter. Mas confesso que é um pouco difícil ficar triste com esse panorama, porque muito antes desta revolução tecnológica, quando as gravadoras detinham o monopólio do suporte físico (vinil ou CD), já engendravam práticas nefastas junto aos veículos de comunicação.

Quem já ouviu rádio sabe do que estou falando: em um dia inteiro de programação, metade (12hs) é preenchida com músicas, o que dá uma média de 450 canções tocadas – lembrando, por dia. Só que a prática do jabá faz com que, segundo palestrantes que ouvi, uma rádio toque de 150 a 200 músicas diferentes – POR ANO! Sendo o rádio o principal veículo de divulgação musical, não é exagero afirmar que a prática do jabá matiza, recrudesce, destrói a diversidade musical brasileira. E, como sabemos, essa diversidade é um dos nossos maiores orgulhos.

Hoje, com todas as mudanças tecnológicas apontadas, as majors não contratam mais um grande número de artistas, como costumavam fazer, nem apostam nas carreiras destes a longo prazo. Como sempre, a merda grassa pro lado dos empregados – nesse caso, os artistas.

Mas não priemos cânico, porque no fim do túnel as pequenas gravadoras e selos independentes empunham uma lanterna, modesta, mas que já ilumina o caminho a ser trilhado. É só comparar: no primeiro semestre de 2004, a Warner lançou 7 CDs no Brasil, enquanto a Biscoito Fino, que cresce a cada dia, lançou 19, segundo afirmaram os palestrantes. No site da Warner constam 17 artistas nacionais no casting, enquanto no da independente Deckdisc são 25 e no da Biscoito, especializada em música brasileira, são em torno de 150!

É claro que o buraco é bem mais embaixo – no bolso, exatamente. Os preços de CDs e DVDs são estratosféricos, então as classes baixas compram CDs piratas – que abocanham cerca de 60% da venda de discos hoje – e as classes médias e altas fazem download. Em termos de qualidade estas últimas se fodem, porque estão se acostumando a ouvir aquela merda comprimida que é o MP3, ao ponto de não conseguirem mais diferenciá-lo de uma faixa de áudio não comprimida.

Pra que o mercado fonográfico se reestruture, o governo precisa se coçar. Por exemplo, entender que disco é cultura, e que ao invés de pagar quase 40% do valor em imposto, poderia muito bem ter imposto zero, como ocorre com os livros. Outra atuação interessante – e, digo mais, urgente – seria cobrar das rádios uma programação diferenciada, algo inclusive previsto na Constituição, sob pena de perda de concessão. Bem que o moço do meu lado, que além de ministro é músico, poderia ajudar-nos nesse sentido... mas creio que há interesses adversos, sempre há interesses...





Quer perturbar o ministro com essas reivindicações? Faça-o aqui.

terça-feira, fevereiro 06, 2007

Sobre o texto sobre o boicote

O texto sobre boicote que postei aqui provocou um número recorde de intervenções, o que tornou impossível a tarefa de responder a todos. É claro que fiquei satisfeito em ver tantas opiniões divergentes, gente que nunca vi que concorda comigo, gente que conheço há mais de dez anos e que discorda de tudo. "Toda unanimidade é burra", diria Nelson Rodrigues, ou "viva a diversidade", como bradou minha amiga Lelê. De fato, o número de comentários só não foi maior porque alguns sagazes, captando o espírito da coisa, resolveram boicotar o próprio texto.

Mas algumas coisas eu gostaria de esmiuçar de forma mais clara: não sou contra os boicotes, muito pelo contrário, admiro as pessoas que têm culhão pra engendrar esse tipo de iniciativa. Principalmente quando os “boicoteiros” já passaram dos 20, contrariando a (bem sacada, vamos admitir) frase que o cartunista André Dahmer empresta ao grande Emir: “Ideais são enfeites que os jovens usam por 5 ou 10 anos”.

Minha opinião, na verdade, discute o resultado prático dos boicotes, que pra mim é muito baixo. Nisso concordo com o amigo Athos, quando este diz que dificilmente o palhaço Ronald perde o sorriso quando ele ou minha bonita deixam de consumir o delicioso Cheddar – até porque provavelmente o Pakkato deve ingerir, sozinho, a cota dos três juntos.

Outra crítica ao boicote é a mesma que, num plano mais pesado – que eu vou evitar de destrinchar aqui pra não ter que ler 250 intervenções me espinafrando – eu faria às ONGs que pululam no nosso sistema neo-liberalzinho de merda: o problema não são as iniciativas calcadas na vontade de fazer a diferença no mundo através de posturas ativas, mas sim deixar de cobrar dos governos a parte de responsabilidade social que lhes cabe, contribuindo para isentá-los das suas principais obrigações.

Resumindo, sou a favor de qualquer tipo de iniciativa contra-hegemônica, incluindo-se aí a prática do boicote. Mas creio que o idealismo e a energia que movem tal prática poderiam ser melhor empregados. Fosse eu de outra época, estaria agora citando os levantes populares como exemplo, mas infelizmente sou do tempo em que levante popular é a burguesia vestida de branco, no calçadão do Arpoador, em protesto à socialite que foi morta nas redondezas.

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

batuque em Itaipuaçu

Começando pela esquerda, que é por onde se deve começar:
Lelê na cerva, Davos no triângulo, Arruda - aniversariante e anfitrião - no xequerê, minha bonita no caxixi, Santiago no djembê,
Guido no derbak e eu nas lentes.
Valeu Lord!

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

sobre o boicote

Enquanto idealista não-pragmático, só existe uma coisa que eu boicoto: o boicote. Minha bonita tem uma lista negra de empresas que ela boicota de maneira bastante convicta: McDonald’s, Coca-Cola, Shell, Esso, Nike e várias outras que, diariamente, tornam nosso mundinho um lugar pior pra se viver.

Eu, por minha vez, não tenho a iniciativa, a força, sequer a coragem de levar pra frente qualquer tipo de boicote, mesmo depois de ter assistido filmes como The Corporation – que, aliás, deve ser visto por todos os seres humanos que têm a vida afetada pela atuação das corporações multinacionais (será que alguém se inclui fora dessa lista?).

A verdade, pelo menos vista do meu ângulo, é que eu prefiro ser essa contradição ambulante do que ter uma opinião rígida sobre tudo. Assim, me sinto livre para acender um cigarro enquanto critico a indústria tabagista. Porque por mais que se queira estabelecer qualquer tipo de “consumo responsável”, creio que a própria expressão já traz em si uma inevitável contradição. Ou será que o mais responsável dos consumidores vai se recusar a entrar num carro, num ônibus ou num avião, potentes produtores de CO2, em protesto ao desenfreado aquecimento global?

Tem mais uma coisa: não levo fé na história do “cada um faz a sua parte”, como as histórias cor-de-rosa que o Betinho contava nos anúncios da Globo – lembram daquela do passarinho que tentava apagar um incêndio na floresta enchendo o bico de água? Pra mim é balela. Separar meu lixo em casa, talvez convencer mais dois ou três amigos heróicos a fazerem o mesmo, nada disso vai ter efeito num escopo mais amplo.

Eu acredito é em responsabilidades coletivas, impostas por governos caso preciso. Se iniciativas como o Protocolo de Kioto fossem levadas a sério, se as empresas que contratam mão-de-obra infantil fossem legalmente proibidas de vender seus produtos no mercado, talvez não seria tão forte a crença de que cabe ao cidadão comum, sozinho e deixado às moscas pelo Estado, correr atrás do prejuízo causado por pessoas jurídicas com alto poder de destruição.

Visto dessa forma, o boicote socialmente responsável é apenas mais uma forma de individualismo e, como tal, fruto dos demônios do capetalismo. E não é o boicote, mas só a responsabilidade coletiva que tira os demônios das pessoas.




Para saber mais sobre os efeitos nefastos de algumas corporações, assista documentários como Super Size Me (sobre o McDonald’s), Roger & Me (sobre a General Motors), The Big One (sobre a Nike), Beyond Citizen Kane (sobre a Rede Globo) e The Corporation (sobre várias delas).