terça-feira, outubro 16, 2007

Livre (???) pra buscar um lugar ao sol

Para ser social e moralmente aceito, o sucesso (enquanto fim) não deve ser desprovido de sofrimento (enquanto meio). Ao contrário, tal como gostariam os estóicos, uma boa dose de sofrimento é precisamente o que irá legitimar o sucesso, caso este de fato se realize. “Subir na vida de forma honesta”, portanto, é sinônimo de trabalhar de forma quase desumana, de “batalhar”, de “dar duro” enfim, para que se possa chegar a uma posição economicamente privilegiada e dizer: “ralei muito pra chegar onde cheguei”.


Perseverança, determinação, vontade de vencer: esses são os valores basilares de uma sociedade de indivíduos orientados “a correr atrás”, a “buscar seu lugar ao sol”, como canta um certo troglodita quarentão que se porta como um garoto de 15 anos. (Aliás, chega a ser sintomática a cabeçada que Chorão deu, tempos atrás, no nariz de Marcelo Camelo, do Los Hermanos, que canta justamente que já não quer mais ser um vencedor e, por isso, leva a vida devagar).


No espectro de valoração do caminho necessariamente tortuoso que leva alguém à “vitória”, vir de uma “origem humilde” conta muitos pontos. Só que as chances de alguém de origem humilde chegar a uma posição economicamente exaltável são bastante reduzidas, em face da elitização educacional que está, via de regra, submetida aos caprichos do capital financeiro.


Ocorre então que, para conseguir vencer na vida, sob condições desiguais de acesso a educação, saúde, cultura e cidadania de uma forma geral, o desafio de milhares de brasileiros e brasileiras é mais ou menos parelho a disputar uma corrida contra um velocista queniano, começando 100 metros atrás, com dez segundos de desvantagem, de olhos vendados e sob um calor de 40 graus. É por isso que muitos precisam se valer de expedientes ilegais, de modo a não serem atropelados pelo rolo compressor do capitalismo.



Aprendemos com o sociólogo Robert Merton que existem dois elementos de prima importância em dada estrutura social e cultural: um deles é o grupo de objetivos culturalmente definidos como legítimos para todos os indivíduos – no caso em questão, “vencer na vida”. O outro elemento é aquele que define, controla e regula quais são os meios aceitáveis para se alcançar tais objetivos – aqui, em maior ou menor escala, estamos falando de “vencer na vida através do trabalho honesto, se possível com algum sofrimento”.



Uma sociedade mal-integrada, ou anômica, seria aquela na qual os objetivos estão dados, mas não se tem controle dos procedimentos para atingi-los, cabendo a cada um “se virar” e “dar seu jeito” para tanto. Ou seja: algo bastante parecido com uma certa sociedadezinha que conhecemos bem de perto.

19 comentários:

Cascarravias disse...

mais uma de suas aproximações heterodoxas que me surpreendem positivamente - eu nunca imaginaria que do Charlie e The Brothers tu conseguiria fazer uma ponte tão bem feita pra Merton... e eu nunca tin ha visto uma foto dele antes!

Samantha Abreu disse...

humpft!
sei bem o que é ralar, se ferrar, dar duro, se estrapilhar e tudo mais.
Mesmo quando não se almeja sucesso. A gente tem que se foder, mesmo, até pra pagar a conbta de luz. E quem está falando em sucesso, não é?!
rsrsrsrsrsss

Beijos!


ps: nossa! eu não tinha visto nenhuma foto do incidente... mas o soco deve ter sido massa, hein! ahahhahaaha!

Paulo Bono disse...

arthur,

ótimo texto. rima com meus atuais pensamentos e caraminholas. você bota pra fuder.

grande abraço

Tchello Melo disse...

A questão é o sentido unilateralmente positivo designado à palavra sucesso, que significa sucedimento, acontecimento (bom ou mau). A acepção êxito contempla exatamente o que se quer dizer quando bradam aos quatro ventos que tal evento ou determinado artista faz sucesso. Então qualquer merda produzida é digna de sucesso. Celebremos!

Tchello Melo disse...

Em suma, é um indelével "Se Vira nos 30".

Eugenia disse...

Arthur, sempre leio seu blog, cheguei através do butecodoedu, mas acho q só comentei 1 vez. É excelente! Só senti falta de este texto ser um pouco maior... se vc tivesse tempo, seria legal um aprofundamento entre o seu raciocínio e o assunto do momento - rolex do Huck ;)
Beijos, Eugênia.

Anônimo disse...

Tb adorei a ponte. Espertinha demais. Mas que seria bom dar um tabefe no Camelo, seria... (não que o Chorão tb não mereça)!

Anônimo disse...

Tive que dar duro pra publicar um livro. agora o ministério da cultura vai liberar 4 milhões pra minha vida virar filme.

http://g1.globo.com/Noticias/Cinema/0,,MUL76733-7086,00.html

MM disse...

Ou seja, pra ser feliz dá trabalho!
abraço e valeu mesmo a visita!

Cascarravias disse...

a briga charlie versus brothers, pra mim, é tipo um palmeiras e são paulo: fico torcendo pra uma repentina visita de paraquedistas enfurecidos que vão aniquilar os dois times e a partida termina empatada com derrota pros dois.

o the brothers e o charlie podiam se enfrentar em uma corda bamba sobre a lava.

Bianca Feijó disse...

Arture!

Lindo texto menino, da até certa dor na coincidência e nos faz (pelo menos eu)refletir até que ponto vale a pena ralar?!
Mas não podemos esquecer que grandes sucessos vieram da ralação e sim de conivências, berço...
Enfim, na próxima encarnação (se é que existe) quem sabe eu nasça parente do Roberto Marinho ao invés de ser Feijão...rsrs...

Bravo Arture,digno de uma matéria jornalística.

Beijos,beijos!

Jana disse...

Sofrer está na trajetória do herói. Sou mais chegada aos anti-heróis.

Ah, eu gostei mais da analogia da corrida. Estou lá atrás e pra piorar, ainda parei pra tirar uma soneca e cortar cabeça de saúva, tipicamente Macunaíma.

Vc fez tanto sucesso linkando a briga do Chorão com Camelo ao pensamento do Merton que se eu fosse vc eu criaria uma seção nova:

"Se eles brigassem quem ganharia e o que fulano tem a dizer sobre isso?"

A propósito, estou gostando de ler o Park. Vc me mima com as suas indicações.

Beijo.

Anônimo disse...

Eu não concordo com esse texto.

Vivi disse...

Na nossa "sociedadezinha" é cada vez maior a simpatia popular pelos anti-heróis, revelada até mesmo pelo sucesso dos grandes vilões da teledramaturgia global. Parece forçada a constatação, mas creio que a relação das pessoas com a ficção mostra muito da forma como encaram a realidade. O texto tá rico, simples e irônico, como sempre: fugindo do lugar comum sem cortar cabeça de saúvas. Absurdosturos tem que passar no Fantástico!

gigi disse...

Olha, a merda maior é quando o ex-pobre que venceu na vida se coloca de um jeito que te faz olhar só pra pobreza superada. A pessoa sai da pobreza mas a pobreza não sai da pessoa. É aquela velha cabecinha de 'ai, como sofro, ai, tenham pena de miiiim, me deixem passar na frente, arredondem o troco, cobrem menos na prova, facilitem a vida de um sofredor'.

É por isso que eu me acho cada vez mais foda. Vê se eu fico falando por aí que vim lá daquele bairro (que você sabe o nome e eu não vou repetir)? É ruim, hein. Chega dessa coisa de Scarllet O'Hara arrancando rabanete do chão.

Pronto. Agora que eu comentei, vc pode atualizar. :)

Anônimo disse...

Como diz a filósofa Sonia Maria - minha mãe - "quem é, nasce pronto"! Beijos, Adri

Paulo Bono disse...

é verdade, Arthur. lembro do dia que eu fiz uma fita do Guns pra mim. os 90 começavam.
grande abraço

Anônimo disse...

Não, é mesmo.

Com certeza, é mais mais ou menos isso. Se não for, é outra coisa.

Caso seja outra coisa, não será mais aquela primeira, que, diga-se de passagem, é, quase com certeza, diferente da quarta.

Então, concluímos que é quase isso, com certeza.

blah disse...

Excelente texto. Simples e irônico, como dito num cometario anterior. Permita-me somar...

"Vencer" na vida... Mas vencer o quê?? De quem?? Por quê?? O vencer implica em competir... Mas porque diabos competir?? Competir com quem?? Oras, mal conheço fulano, porque ele tem de ser meu rival, meu adversário?? Acaso a comida não dá pra eu e ele? Acaso não haveria espaço para eu e ele termos um teto?? Acaso não há tarefas para cada um dos dois, não há talentos que cada um poderia desenvolver?? Porque então competimos por um único objetivo, se podemos ter objetivos múltiplos??

Eu sinceramente não entendo a lógica do capitalismo. É animal demais pra mim. Darwin esqueceu de dize que no "topo" da evolução das espécies, um tal animal chamado homem pode vir a ter sentimentos estranhos, como, por exemplo, compaixão, solidariedade, amizade, amor, e que estes estranhos sentimentos podem tornar este animal inapto, fazendo-o perder na seleção natural para outros animais homens, digamos, menos humanos, que não sentem remorso algum em competir com seus semelhantes, que não sentem remorso algum de ter tudo enquanto outros não tem nada, porque, afinal, que motivos teriam eles para sentir isso?? Não faz parte da natureza, como dizia Darwin??

Ora, o capitalismo foi inventado por um biólogo :P