sexta-feira, janeiro 25, 2008

O aposentado de Copa

O senhor de pele clara e olhos verde-acinzentados pode ser encontrado no Pavão Azul, local para onde fui levado por minha bonita por indicação de amigos dela. O pé-sujo incrustado em Copacabana oferece o mínimo que se espera de qualquer boteco: cerveja gelada de garrafa e um petisco decente – no caso, pasteizinhos. Cheio de gente, tivemos que esperar uma mesa vagar, e o simpático senhor que bebia sozinho em uma das mesas – vamos aqui chamá-lo de Seu Copa – gentilmente convidou-nos a ocupar as cadeiras vazias.


Naturalmente, não pudemos declinar o convite, nem esquivar-nos do papo que Seu Copa já engatou antes que pudéssemos esquentar os assentos daquelas cadeiras de plástico. Como Seu Copa mencionava antigos presidentes, rapidamente apurei o ouvido na esperança de ouvir histórias interessantes dos tempos de outrora. E mais rapidamente ainda, Seu Copa começou a revelar traços marcantes de seu posicionamento político.


Sempre afável, de fala mansa e pausadamente, Seu Copa desculpava-se por ser uma pessoa antiquada, e dizia que ainda tinha muito que aprender com os novos tempos. Porém, em que pesassem essas revelações, Seu Copa defendia que a miscigenação representava um risco para a integridade das culturas; para ele, uma vez que brancos e pretos (termos usados por ele) se misturassem, tanto a cultura negra quanto a cultura branca seriam diluídas e sairiam perdendo. E concluiu que melhor seria se os brancos ficassem entre os brancos e os pretos entre os pretos, aproveitando para posicionar-se contra o regime de cotas para negros das universidades.


Neste ponto, Seu Copa apressou-se em dizer que não era racista, que inclusive tinha amigos pretos, “alguns até mesmo com doutorado”, e que estes mesmos pretos doutos achavam uma humilhação ter algum tipo de vantagem competitiva (quase pude imaginá-los aplaudindo uma suposta sociedade meritocrática).


Daí pra frente, enquanto as garrafas de Original pousavam em nossa mesa, fui questionando Seu Copa sobre seu passado. Contou-me que era aposentado da FAB (onde meu pai trabalhava como piloto quando nasci) e que viveu os anos da “revolução”, referindo-se ao golpe militar de 1964. Disse-me que, àquela época, teve que fazer uma escolha entre o comunismo de Fidel e a “liberdade que os Estados Unidos traziam”, optando, assim como a maioria de seus colegas, pela segunda opção. Orgulhoso, abriu um sorriso para contar que, hoje, tinha a certeza de ter feito a escolha certa.


Daí pra frente, nossos amigos chegaram e já éramos sete pessoas na mesa – contando com nosso ilustre personagem, que dizia sentir-se muito bem na companhia da juventude e aproveitou para pedir uma farta rodada de pastéis para a mesa, por sua conta. Vendo seu grande interesse por assuntos da política e sua marcante postura em assuntos deste campo, passei a citar alguns personagens da nossa história recente para extrair suas opiniões e impressões. Revelei, por exemplo, que guardava alguma simpatia por Jango, o presidente deposto pelo regime militar. Para Seu Copa, Jango foi “um fraco que se deixou levar” – no caso, pelos ideais socialistas, que realmente não parecem fazer a cabeça do aposentado de Copacabana.


- E quanto a Lamarca, o que o senhor acha dele?
- Esse foi um traidor filho da puta! Não gosto nem de ouvir o nome.
(...)
- E o Che Guevara?
- Um assassino repugnante! Um assassino, um filho da puta!
(...)
- E quanto ao Brizola, seu Copa?
- Odeio! Odeio o Brizola! O Brizola acabou com o Rio de Janeiro por causa dessa simpatia que ele tinha com as favelas.



Não há, garanto, qualquer exagero nas declarações supracitadas. Pra dizer a verdade, fui ficando tão impressionado com o depoimento de Seu Copa que puxei um guardanapo da mesa, saquei uma caneta da mochila e comecei a anotar as frases do aposentado, que saíam pausadamente de sua boca, enquanto aqueles olhos nórdicos sorriam para os convivas presentes à mesa.


À exceção de uns poucos e delicados momentos, procurei não discordar daquele senhor, talvez por estar um pouco cansado deste papel, talvez por acreditar que dificilmente alguma coisa mudaria na cabeça dele àquela altura. E tenho certeza que Seu Copa foi dormir com um largo sorriso naquele dia, feliz por ter passado bons momentos na companhia da juventude.

segunda-feira, janeiro 21, 2008

Tambores pré-carnavalescos

Alô povão, agora é sério! Carro de som, dezenas de ritmistas, centenas de foliões, muita chuva, trânsito congestionado, cenário caótico... o carnaval chegou às Laranjeiras!


As fotos abaixo são do bloco Imprensa que eu gamo, formado por jornalistas e que há anos desfila pelo bairro. Neste 2008, o dia não poderia ter sido mais apropriado: domingão, 20 de Janeiro, dia de São Sebastião, padroeiro da cidade maravilhosa do Rio de Janeiro.


A última foto, que tirei da janela de casa, mostra como o bagulho estava frenético. E se a carne é de carnaval, o coração é igual.


















terça-feira, janeiro 15, 2008

Sopros pré-carnavalescos

A tônica deste fim de semana coube a duas bandas de nome grande e com grande diversidade de instrumentos de sopro, indo do grave do trombone ao agudo da flauta transversa, passando por saxofones, trompetes, gaita e clarinete - naipes de metais que anunciam o carnaval vindouro!





A banda brasiliense Móveis Coloniais de Acaju é formada por 10 músicos, dentre os quais um flautista, dois saxofonistas, um gaitista e um trombonista ensandecido, como se vê na foto acima e na foto abaixo, tiradas durante a apresentação dos caras no Circo Voador, sexta passada. Entre levadas de rock, samba e ska, um pé fincado nos ritmos latinos e muita disposição no palco. Impressionante ver centenas de cariocas cantando várias letras de uma banda ainda desconhecida do grande público - um clima que lembra (guardadas as devidas proporções) os shows do Los Hermanos (o som do Móveis tem, inclusive, várias passagens que me remeteram ao primeiro disco dos barbudos da PUC-Rio).








E por falar em Hermanos, o que dizer de uma banda que possui músicos do Brasil, Argentina, Colômbina, Chile e Venezuela, e que tocam ritmos como salsa, cumbia, merengue, frevo, reggae, choro e samba? É simples: mistura com cachaça que fica muito bom.







A banda Songoro Cosongo (que se apresenta sábado no Humaitá Pra Peixe) possui 8 integrantes, mas o bloco de carnaval que leva o mesmo nome e que está ensaiando todos os domingos de Janeiro em Santa Teresa contava, anteontem, com quatro trompetes, quatro saxofones, quatro trombones, uma flauta, um clarinete e cerca de quinze percussionistas, entre agogôs, claves, caixas, alfaias, timbales e tamboras. Foi o primeiro ensaio de bloco do qual participei neste Janeiro - mês que será, aliás, muito curto para abrigar tantos blocos e fuzarcas organizadas para o esquenta do carnaval que, apesar de só começar oficialmente na virada do mês, já parece estar em curso pra muita gente.




segunda-feira, janeiro 07, 2008

A sua segurança é um problema seu

O filme Nação Fast Food, de Richard Linklater, é uma mistura de Super Size Me com Pão e Rosas. O primeiro todo mundo conhece: é aquele documentário no qual o cara resolve passar um mês só comendo produtos vendidos no McDonald’s. Os resultados da “dieta do palhaço” são catastróficos, com destaque para o momento em que o cara, à revelia dos conselhos de seus médicos, diz que prosseguirá com a dieta até o fim. Um dos médicos tenta convencê-lo a tomar pelo menos alguns complementos alimentares, para não descaralhar com sua saúde por completo. E o maluco responde: “não posso, esses complementos não são vendidos no McDonald’s”.


Já Pão e Rosas é um excelente filme do também excelente diretor Ken Loach, cujo roteiro é centrado na imigração ilegal de mexicanos, que vão para os “Us and A” ser capachos dos americanos, atraídos por salários do maravilhoso mundo dos subempregos que, mesmo sendo baixos, superam em muito as cifras pagas na terra natal de nossos hermanos chicanos.


Nação Fast Food toca nestes dois pontos ao mostrar a história de um grupo de imigrantes mexicanos, que cruzam a fronteira ilegalmente para trabalhar na linha de produção dos hambúrgueres que engordarão os adiposos estadunidenses – desde o abate dos bois até a produção dos hambúrgueres em si, passando por todos aqueles processos aprazíveis de tiragem de pele, separação de rins e estômago, drenagem de litros e litros de sangue... uma beleza.


O ponto é que estes trabalhadores recebem 10 dólares por hora, pagos em dinheiro ao fim do dia (U$ 80), enquanto no México (segundo é dito no filme) receberiam algo em torno de “five bucks a day”. O personagem de Bruce Willis, que faz uma ponta de 5 minutos no filme (embora apareça na capa como ator principal), diz que “admira essa gente”, porque são “hardworkers”. Alguém aí acredita que trabalhar nos EUA nesses termos é uma oportunidade de ouro? Bom, como diriam os próprios gringos, think again.


Os mexicanos recebem dinheiro “in cash”. Por serem ilegais, não podem ter carteira assinada ou coisa parecida. E como o trabalho envolve riscos, assistem de tempos em tempos a vídeos sobre segurança no trabalho, que enfatizam que “a segurança depende de você”. Ou seja, os contratantes praticamente lavam as mãos e se esquivam de toda e qualquer responsabilidade ao colocarem trabalhadores não-especializados em contato com máquinas perigosas que ocasionalmente lhes cortam dedos, mãos, às vezes pernas inteiras. E quando algum trabalhador desses sofre um acidente, são feitos testes no hospital para detectar a presença de substâncias ilegais no sangue. Ora, é sabido que muitos destes trabalhadores precisam dobrar turnos e ter dois empregos para pagar suas despesas na “land of oportunity”, o que muitas vezes exige o uso de meta-anfetaminas e outras drogas do gênero. E se a empresa encontra tais drogas no sangue do funcionário, pode demiti-lo sem pagar qualquer direito, sem pagar sequer o tratamento feito por causa de um acidente de trabalho, ocorrido dentro da própria empresa.


E o pior é que nem precisamos ir até o outro lado da América para observar este comportamento. Esta manhã, por exemplo, ao pegar o metrô para o trabalho, ouvi algumas “dicas de segurança” pelo alto-falante da estação, tais como andar com a mochila na frente do corpo, não botar o celular no bolso de trás etc. A mensagem terminava com a seguinte pérola: “cuidar da sua segurança também é responsabilidade sua”.


Quer dizer que até dentro do metrô as autoridades se isentam da responsabilidade que possuem? Quer dizer que a garantia de segurança cabe a mim mesmo? Quer dizer que devo mudar de idéia em relação à minha postura pró-desarmamento, cagar para o postulado weberiano de monopólio da violência pelo Estado e comprar uma 9mm ou uma 380 para assumir minha própria “segurança”?



Essas são as questões que me afligiram durante o dia de hoje. E como este blog é construído com a ajuda dos leitores, queria saber a opinião de vocês em relação a estas questões, aproveitando para fazer uma pergunta que vai de encontro a este tema: vocês concordam com a proposta de algumas associações de moradores de impingir um boicote ao pagamento do IPTU, já que o imposto serviria, entre outras coisas, para o Estado garantir segurança para os contribuintes, função que há muito não consegue exercer?



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