Foi no território ianque que Adorno tomou conhecimento de uma cultura organizada em bases industriais – até então, ele ignorava “em que medida o planejamento racional e a padronização impregnavam os chamados meios de massa” (palavras do próprio). Visivelmente bolado com o caráter manipulatório e opressor do que chamou de indústria cultural - termo que se popularizaria amplamente nas décadas seguintes -, Adorno se tornou um de seus mais mordazes críticos. Seu primeiro artigo em terras americanas possui um título forte e auto-explicativo: Sobre o caráter de fetichismo e a regressão na audição.
Ater-me-ei, todavia, a um mecanismo que o autor descreve em On Popular Music, escrito ainda no final dos anos 30. Trata-se do plugging, que seria, segundo Rodrigo Duarte, a “repetição ad nauseam pelos meios de comunicação (no caso, o rádio) de uma canção, até que o público goste dela, independentemente de ela ter qualidades musicais ou não”. Esse mecanismo seria fruto de uma acordo entre as principais agências interessadas na difusão e consumo de um produto musical, ou seja, gravadora, rádio, empresário etc.
A partir daí, inicia-se um processo que Adorno descreve tal qual um roteiro, seguido pelo ouvinte após algumas audições:
1. você ouve a música e lembra vagamente de já tê-la ouvido antes;
2. você identifica a canção (é o hit tal!)
3. você submete a canção a um rótulo (isso é rock, é samba, é axé, é pop)
4. você realiza uma espécie de auto-reflexão no ato de reconhecimento (“conheço isso: isso me pertence”)
5. você faz uma transferência psicológica de reconhecimento/autoridade ao objeto (“esse hit é legal”!)
Já me vi realizando inconsciente – e conscientemente também – este ritual. A questão da familiaridade está muito relacionada às formas modernas de apreço. Conhecer é possuir, possuir é gostar, e não necessariamente nessa ordem. Uma coisa é você se pegar assobiando aquela canção detestável do “Sandy Jr.”; outra é você realmente admitir que gosta dessa canção, e muitas vezes gosta simplesmente por causa da previsibilidade, porque sabe cantar, porque já conhece, porque sabe o que vai acontecer depois.
Se eu gosto de uma música, escuto-a mil vezes, diariamente, semanalmente, sem me cansar. Sou um obsessivo em matéria de música e, fazendo um breve retrospecto, já cheguei perto de furar discos de Michael Jackson, Guns N’Roses, Metallica, Megadeth, Pantera, Sepultura, Death, Carcass, My Dying Bride, Planet Hemp, O Rappa, Nação Zumbi, Mundo Livre e Los Hermanos. Atualmente, escuto o disco da Roberta Sá todos os dias.
Será que o plugging se entranhou de maneira tão peremptória na nossa cultura que, pelo menos em matéria de música, estamos fadados a permanecer plugados?