segunda-feira, junho 25, 2007

5000 vítimas "do asfalto"

Na capa do JB de sexta-feira, a manchete era: “Cinco mil na mira de fuzis em Copacabana”. A matéria, assinada por Breno Costa, refere-se aos “cerca de cinco mil moradores dos arredores dos morros Pavão-Pavãozinho, Ladeira dos Tabajaras e Cantagalo, em Copacabana e Ipanema”, que estariam “na linha de tiro, em caso de eventuais confrontos entre policiais e traficantes nessas comunidades”. O jornalista ainda tem a cara de pau de admitir: “A conta feita pelo JB não incluiu a população das favelas, apenas a do asfalto” (grifo meu).



Não tenho os números, até porque esse tipo de censo é pouco confiável e depende da instituição que realiza; entretanto, não há dúvidas de que as três comunidades somam muito mais que os cinco mil moradores citados. Mas os milhares de moradores que não moram “próximo às favelas”, mas sim nas favelas, não parecem estar no cerne das preocupações do jornalista ou de seus superiores. Aliás, francamente, quando é que veículos de comunicação como este e outros de maior grandeza realmente se importaram com os que não são “do asfalto”?


Na minha avaliação, a matéria tem sua razão de ser por dois motivos: 1) as favelas estão localizadas em algumas das áreas mais nobres da cidade; 2) segundo o próprio texto, “o alcance letal de um tiro de fuzil é de, no mínimo, 1,5 km, segundo especialistas em armamento”.


Alguém guarda a ilusão de que esta notícia existiria caso essas favelas estivessem localizadas na baixada, ou se as armas dos traficantes alcançassem apenas 50 metros de distância? O problema, para o jornal, é o perigo ao qual estão expostos os moradores “do asfalto”, cujos “apartamentos estão de frente para o morro”. Daí que moradora fulana de tal “até agora não teve problemas com tiroteio, mas sente receio com a proximidade da favela”. E, mesmo quando a opinião do entrevistador não reflete a idéia que eles querem passar, o texto é construído de forma tendenciosa: “A aposentada (...), moradora de um prédio na rua Sá Ferreira, diz viver sem medo, apesar da proximidade de sua sala com o morro” (grifo meu). A conjunção denota o mesmo viés preconceituoso e acusatório presente em frases do tipo “ele é pobre mas honesto”.


O fato de que os grandes veículos de comunicação – e aproveito pra colocar também a maioria dos dirigentes do país nesse balaio de gatos – só se preocupam com os interesses das classes economicamente superiores, em detrimento da segurança e da garantia dos direitos dos menos afortunados, não representa pra mim uma novidade. O que me surpreende é que o façam de maneira tão leviana e descarada.





Fechando, aproveito o ensejo proporcionado por essa reportagem pífia para reproduzir os versos de um samba escrito há quase 20 anos pelo grande letrista Paulo César Pinheiro, e posteriormente gravado pelo percussionista Wilson das Neves.






O dia em que o morro descer e não for carnaval



O dia em que o morro descer e não for carnaval
Ninguém vai ficar pra assistir o desfile final
Na entrada, a rajada de fogos,
para quem nunca viu,
Vai ser de escopeta, metralhadora,
granada e fuzil!
(É a guerra civil…)



O dia em que o morro descer e não for carnaval
Não vai nem dar tempo de ter o ensaio geral
E cada ala da escola será uma quadrilha
A evolução vai ser de guerrilha
Que a alegoria é um tremendo arsenal
O tema do enredo vai ser a cidade partida
No dia em que o couro comer na avenida
Se o morro descer e não for carnaval.



O povo virá de cortiço, alagado e favela
Mostrando a miséria sobre a passarela
Sem a fantasia que sai no jornal.
Vai ser uma única escola, uma só bateria
Quem vai ser jurado? Ninguém gostaria
Que desfile assim, não vai ter nada igual.



Não tem órgão oficial, nem governo, nem liga
Nem autoridade que compre essa briga
Ninguém sabe a força desse pessoal
Melhor é o poder devolver pra esse povo a alegria
Senão todo o mundo vai sambar no dia
Em que o morro descer e não for carnaval.

12 comentários:

Cascarravias disse...

cara, esse é O samba que me faz relativizar a birra que tenho com tal gênero musical. quando ele começou a tocar no encerramento do cureta "o lado certo da vida errada", achei simplesmente apoteótico. fabuloso.

Cascarravias disse...

mas cabe ressaltar qu8e as pobres vítimas do asfalto não vêm sofrendo essas injustiças passivamente, e já estão revidando. viu só o que esses pobres acuados moradores da barra fizeram com a suposta empregada doméstica que incomodava suas vistas logo de m anhã cedo?

Jana disse...

Sei que vou parece superficial,mas não assisto todos jornais . Especialmente os jornais sobre violência. Qdo leio, pulo o caderno policial. Não é que nãi ligue, é que eu ligo demais. Sou filha de coronel, meu irmão entrou agora para Polícia Federal e fora isso, o risco que sei que eles correm, qdo leio jornal, me lembro que eu faço parte da mesma raça de assassinos, estupradores, pedofilos, mal-feitores e fico deprimida. Ainda não alcancei a atitude blasè. Espero que eu alcance um dia, ou vou morrer de empatia.

Me horroficou a sua postagem, mas fico grata que vc ficou postou. Muito grata.

Beijos,
Jana

4rthur disse...

Jana, o Luiz Eduardo Soares tem uma teoria na qual, mais ou menos, diz que temos um mecanismo de defesa que nos faz tentar apagar da nossa percepção os mendigos que vemos na rua, na porta dos restaurantes onde comemos e etc - não porque isso não nos afeta, mas exatamente porque afeta tanto, que caso déssemos a devida atenção não conseguiríamos continuar com as nossas vidas da mesma forma. Essa teoria (que acho meio boazinha demais, mas vá lá) está no Cabeça de Porco (livro que ele escreveu junto com o MV Bill) e acho que é exatamente sobre isso que vc está falando.

Beijo.

Anônimo disse...

4rtur:

Gostei muitodo teu post e gostaria de colocá-lo como link do Universo Anárquico. Conheço a área descrita no artigo muito bem pois foi no PT Copa que fiz campanha para existência do partido. Tenho amigos em tudo que é lugar desta área. Tem gente que ficou parana e gente que vive com a realidade Rio. Quando viajo ando de bermudão e camiseta. Nunca tive medo no Rio. Pior é mijionário.

Anônimo disse...

bom seria se fossem só 5.000 vítimas. somos 186 milhões deles, salvo algumas poucas exceções.
e a coisa só piora!
um cheiro...

Anônimo disse...

bom seria se fossem só 5.000 vítimas. somos 186 milhões, sem muita (ou nenhuma) exceção.
e a coisa só piora!
um cheiro...

Diogo Lyra disse...

Cara, ontem quando nos falávamos por msn estava rolando um tiroteio pesado aqui em Copa. Ia até comentar contigo, mas acabei esquecendo em virtude dos nossos assuntos.
Eu ando pelo Rio sem medo, mas confesso que, se o Cantagalo não estivesse de costas pra minha casa, seria difícil não se bolar com a possibilidade da bala perdida.
Contudo, como vc mesmo disse, reportagens como essa nunca se preocupam com quem realmente está na linha de tiro, isto é, os moradores das favelas - onde a maioria mais que absoluta é tão trabalhadora ou mais que estes 5.000 merdinhas da classe média...

Cascarravias disse...

arthur, luiz eduardo soares não, por favor. essa teoria não é meio boazinha; é idiota mesmo.

Nana disse...

É aquela história do público-alvo. Quem lê JB é classe média. Se bem que alguém ainda lê JB?

blah disse...

Putz, Arthur, q sinistro... Como é que tem gente q consegue ler um jornal assim e achar normal??

Muito bom o seu artigo. Adorei a letra do samba, fiquei curioso pra ouvir...

Eugenia disse...

Arthur, vc jah reparou outra coisa? Nossa mídia e´ tão vendida que qd morre gente no morro do sexo masculino é sempre "bandido". Ah, não, qdo tem 8 anos eles ñ chamam de bandido...risos... Os repórteres não fazem jornalismo investigativo, de descobrir quantas e quais vítimas tinham passagem pela polícia (mesmo assim, o fato de q algumas tenham ñ implica em q devam morrer). Normalmente as matérias nem dizem mto sobre a pessoa... algumas nem citam os nomes. Já se é alguém morto no asfalto, é sempre "universitário é morto", "engenheiro é morto"... E estas pessoas, aqui, sim, têm nomes, profissões, as famílias são entrevistadas... Enfim, gera-se uma despersonalização do morador do morro, justamente para q o leitor não fique revoltado qdo ele (morador do morro) se ferra. Tu já viu tbm qdo dizem "moradores protestam contra a morte de traficante"? Sem q haja na matéria a mínima prova d q a pessoa era mm traficante e ñ um trabalhador qrido na comunidd? Ai, q ódio, se deixar eu ñ páro de escrever contra isso!