sábado, dezembro 29, 2007

Mudança



Há mais de um mês eu procurava sair do perrengue que é levar mais de uma hora pra chegar ao trabalho e quase duas pra voltar pra casa. Visitava sites de imobiliárias quase diariamente, e fazia o difícil percurso de conhecer um número incomensurável de apartamentos, a grande maioria toscos e apertados.


Esta é uma diferença marcante entre a zona norte e a zona sul do Rio de Janeiro. Naquela, os apartamentos são suficientemente amplos, enquanto nesta qualquer quarto e sala é um ovo, não de avestruz ou galinha, mas de codorna mesmo. As pessoas que realizam a transição zona norte - zona sul geralmente se contentam em morar em cubículos, já que, afinal de contas, estão indo para a zona sul. Não foi o meu caso. Minha mudança tinha a ver com a distância e com as intermináveis horas que eu perdia de vida dentro de ônibus, muitas vezes lotados. Por isso não bastava ser zona sul no sentido estrito do termo – ou seja, Copacabana, Ipanema, Leblon. Não queria nada disso, mas sim um lugar que fosse bem perto do trabalho. Por isso, me concentrei na área que considero “centro-sul” do Rio: Flamengo, Catete, Laranjeiras (a parte baixa, claro).


E foi neste último bairro que consegui ser feliz: uma sucessão de acasos e lances de sorte fizeram de mim um ilustre morador do bairro das Laranjeiras, a uma quadra do metrô do Largo do Machado, a quinze minutos (e não mais 1h40) do trabalho. A Internet foi instalada há pouco, e posso finalmente voltar a escrever, ler e-mails, essas coisas. Mudar é um perrengue sem tamanho, e a sensação de ansiedade com todas as mudanças se mistura ao estresse de resolver pendengas com Light, CEG, Telemar, Oi, proprietários, administradores e cartórios.


Mas o mais difícil é adaptar-se a viver no olho do furacão. Até semana passada, eu morava no pacato bairro do Grajaú, que um amigo chamara (com certo exagero) de “a Urca da zona norte”, tal a tranqüilidade do bairro, com suas ruas cheias de tamarindeiras, seus botecos com bêbados conhecidos (e não alcoólatras anônimos) e suas confeitarias magistrais (me dói saber que o Vilamore não estará mais a passos de distância). O silêncio reinava no meu apartamento – a não ser quando era eu mesmo o causador de barulhos até altas madrugadas, que já me renderam penosas multas de três dígitos.




visual da minha janela no Grajaú, com ampla área verde
e o Morro dos Macacos ao fundo.





Agora, parece que estou no centro de convenções da Babilônia: carros, ônibus, comércio, lojas Americanas na porta de casa, mil pedestres pululando por todos os lados, um frenesi rasgado. Sei que sentirei falta do meu cantinho aprazível da zona norte, mas não há nada que pague a tranqüilidade de se morar perto do trabalho e, claro, do boêmio bairro da Lapa, destino de 90% das minhas incursões noturnas.




visual do novo apê em Laranjeiras, com a pontinha do Morro da Urca
e do Pão de Açúcar de brinde.



Ano novo vem aí e, já que estou no caos urbano mesmo, e valendo-me da máxima de que um peido a mais não é nada pra quem já está cagado, passarei o reveillon em Copacabana, na companhia de 2 milhões de pessoas e ao som de 22 mil bombas e fogos de artifício. Quem viver verá.



Beijos a todos e boas entradas, independente de sua preferência.


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terça-feira, dezembro 11, 2007

Show dia sim, dia não


Quinta-feira: Paulinho da Viola no Canecão



Sempre tive uma birra com o Canecão. Mesmo estando localizado em terreno da UFRJ, e pagando um aluguel irrisório, eles insistem em cobrar preços exorbitantes para os shows. Durante uma época, não aceitavam minha carteirinha de estudante por ser do Mestrado, como se mestrando não fosse estudante (aliás, foi a época em que mais estudei na vida).


Atualmente, por conta de uma política de democratização cultural, é possível comprar ingressos a 20 reais (10 estudante) mas só no próprio dia, chegando uma hora antes da bilheteria abrir. E pra sentar num lugar péssimo Como eu disse à Gigi, é como assistir um show numa poltrona da classe econômica da TAM, com os joelhos batendo na da frente. E a ruiva, loucamente apaixonada pelo da Viola, comprou ingresso Rayovac: setor AAA. Com direito a bafo de Elton Medeiros no cangote.


Ao adentrar o grande Caneco, eis que o céu desaba numa chuva torrencial. E nós felizes pra cacete, protegidos pelas grossas paredes da casa de show, ouvindo Paulinho cantar “não sou em quem me navega, quem me navega é o mar” enquanto a tempestade inundava a cidade de São Sebastião.


Naturalmente que não me propus a ficar nas apertadas poltronas, e fui com minha bonita assistir de pé o show. A banda é afinada e o cenário é ótimo, ficando à mercê da iluminação que faz com que cada música tenha uma cor, indo do vermelho de Coração Leviano ao azul de Dança da Solidão, passando pelo verde, pelo laranja, e daí por diante. O modelo Acústico MTV, apesar de desgastado, não influi muito num show de samba, mantendo violões, cavaquinhos e instrumentos percussivos. E a serenidade do Paulinho, que já debati aqui, faz com que qualquer apreciador de samba se deixe levar pelas suas harmonias descomplicadas e por seus singelos versos.





Sábado: The Police no Maracanã

Confesso que, apesar de gostar de futebol, vou muito pouco ao Maracanã. De modo que todo o perrengue para entrar no gramado no dia do show do The Police (havia algumas dezenas de milhares de pessoas fazendo o mesmo) fica pra trás quando se avista o gigante anel do estádio repleto de gente. Melhor ainda é quando isso acontece ao som de uma boa banda de rock – no caso, falo dos Paralamas, pra mim uma das poucas bandas de rock dos anos 80 que não estragou a própria carreira nas décadas subseqüentes.


Alguns podem achar estranha esta opinião, mas acho que Herbert, que nunca foi um grande cantor, está mais afinado do que antes do acidente que lhe confinou à cadeira de rodas. A banda continua indefectível – aliás, os músicos do Paralamas também se diferenciam de seus colegas da geração BRock por serem excelentes instrumentistas. E a forte influência do The Police fica clara, especialmente nas canções mais antigas.


Falando nos coroas britânicos, Sting, Andy Summers e Stuart Copeland, embora não demonstrem tanta “química” juntos, ainda conseguem animar milhares de pessoas com seus hits inesquecíveis. Há excessos nos solos de Summers (o cara não é nenhum Clapton para dar uma de guitarrista virtuose), mas a voz de Sting continua afinada e as viradas de Copeland continuam bem azeitadas. Mas o impressionante mesmo são os nababescos telões e a iluminação dos caras. E, claro, erram, como sempre erram nestes portentosos eventos, os organizadores e produtores por não facilitar o acesso da galera do gramado às bebidas, gerando enormes filas nos poucos postos de venda.





Segunda-feira: Maria Rita no Rival

Este show da Maria Rita foi a última gravação do programa Palco MPB de 2007, onde artistas cantam suas músicas intercaladas com conversas descontraídas mediadas pelo apresentador do programa. Fui crente que meu nome estaria na lista de convidados. Não estava, mas o porteiro me deixou entrar mesmo assim (terá sido por pena?). A porta do teatro Rival estava abarrotada de gente que queria ver e ouvir a filha de Elis. Destacavam-se alguns grupos de mulheres ensandecidas, que gritavam histericamente durante o show da cantora como se estivessem diante dos Fab Four nos anos 60.


Tal como no formato do Acústico MTV do Paulinho, a apresentação de Maria Rita é alicerçada por uma grande preocupação com a produção do espetáculo, desde a iluminação até o figurino da cantora (um vestido curto daqueles hiper brilhantes, feitos de lantejoulas ou coisa que valha). Os músicos também são excelentes, contando, entre outros, com o experiente Jota Moraes no piano e na flauta, com Sylvinho Mazzuca no contrabaixo acústico (que acompanha a cantora desde o primeiro disco) e com o emergente Leandro Sapucahy, que produziu o último trabalho da cantora e divide a percussão no palco com Neni Brown.


Com todos estes cuidados, não há muito onde errar. No repertório do show aparecem os destaques dos dois primeiros discos (como as três músicas do hermano Camelo que ela gravou no disco de estréia), mas o grosso é baseado no último, Samba Meu. Criticado por ser impecavelmente produzido, puxando alguns arranjos para uma linha jazzista e perdendo, assim, aquele gosto do bom samba de roda, penso que um dos pontos positivos do disco é o fato de apostar em sambas novos, e não cair na mesmice de repetir os mesmos lá-la-iás que se ouve em qualquer noite no Democráticos ou em outra casa de samba da Lapa.


No fim do show, Arlindo Cruz, autor de seis sambas gravados pela cantora em Samba Meu, apareceu com sua imensa barriga para dar uma canja. A platéia caiu no samba, reforçando a idéia de que show bom é show de graça. E se a voz da cantora ainda lembra a da mãe, pra mim foda-se: a voz do novo queridinho do samba Diogo Nogueira também lembra bastante a do pai João, e alguém o critica por isso?



Como música é minha paixão número um, pretendo continuar neste ritmo: num dia música com cerveja, no outro o merecido descanso pra começar tudo de novo. Aguardem os próximos relatos.

terça-feira, dezembro 04, 2007

"Antigamente" e "hoje em dia"




O filho que um dia terei nascerá num mundo dominado pela tecnologia digital. Das fotos aos vídeos, das fotocópias aos textos, das músicas aos caixas de supermercado e balanças das farmácias, tudo obedecerá (como já obedece) o mesmo sistema de digitalização de dados, deixando a velha mecânica de lado.


Quem tem mais de 20 anos acompanhou o descortinar deste mundo digital, em muitos casos surpreendendo-se com a velocidade nauseante com que os símbolos da tecnologia de outrora foram descartados. Estes, que chamarei carinhosamente de velhos, não conseguem aplacar o sentimento nostálgico que lhes invade quando pensam em “antigamente”. Antigamente, muitas vezes, é um lugar idealizado descolado da realidade, construído a partir de lembranças seletivas que tendem a fazer deste “antigamente” um lugar muito mais plácido e interessante do que o “hoje em dia”, termo que representa a morada dos que chamarei pejorativamente de jovens.


Os velhos acham que o mundo de “hoje em dia” é mais violento, mais corrompido, mais esvaziado de valores do que o mundo de “antigamente”; acreditam que os jovens de “hoje em dia” não têm a consciência e a participação política dos jovens de “antigamente” e, com grande freqüência, valem-se de exemplos lúdicos dos tempos de “antigamente” para desqualificar as diversões tecnológicas tão caras aos jovens de “hoje em dia”.


Não há dúvida: embora fascinado pelas inovações tecnológicas do mundo de “hoje em dia”, me identifico mesmo é com o bonde dos velhos. E sinto, a cada ano que passa, a invasão deste saudosismo quando penso nas diferenças que existirão entre o “hoje em dia” do meu filho e o “antigamente” de seu pai:


Meu filho irá franzir a sobrancelha quando avistar minha Olivetti Lettera 82. Meu filho irá se referir ao telefone do jeito que eu me referia ao aparelho dentário: fixo e móvel. Meu filho terá alguma dificuldade em posicionar uma agulha no sulco que divide uma música da outra num disco de vinil. Meu filho sempre terá o impulso de olhar atrás da câmera após tirar uma foto para ver como ficou, e nunca compreenderá como é que um dia pagamos tão caro por um filme com apenas 12 “poses” que não podem ser vistas, deletadas ou refeitas. Aliás, meu filho nem saberá o que é um filme de câmera, e talvez eu tenha que ensiná-lo como é que a luz imprime imagens dentro daquela caixinha escura utilizando um papel fotográfico dentro de uma lata de Nescau (tal como fez meu professor de fotografia na oitava série).


Meu filho estranhará saber que, há pouco tempo atrás, só se assistia televisão na própria televisão, e só havia uma em cada domicílio familiar. Não fará idéia da utilidade que um par de palitos com bombril na ponta já tiveram em nossas vidas. Olhará com curiosidade todos os itens mencionados acima, bem como fitas de Atari, VHS, cassetes e disquetes. E, finalmente, meu filho não conseguirá, por mais hercúleo que seja o esforço, imaginar que “antigamente” a vida era possível sem computador e telefone celular.


Eu sou do bonde dos velhos, e o bonde dos velhos não entende o sintomático ditado da era digital: